– EXTRA, EXTRA, EXTRA!!!! Grita o rapazinho com a nova edição do jornal nas mãos e uma plaqueta de propaganda na outra.
– Nova estreia! Nos melhores palcos da cidade! – continua ele.
– Qual o próximo show? – pergunta um transeunte, ansioso.
– O “Golden Shower”? – arrisca um outro, animado.
– Não! – responde o rapaz da plaqueta. Esse foi o hit do Carnaval 2019! Um tremendo sucesso! Repercussão imediata! O pessoal da pauta dos costumes gostou muito! Rendeu semanas com audiência sempre lotada. Casa cheia! Tweets internacionais comentando o assunto!!
Outro passante ensaia então o seu palpite:
– Será o “Dinheiro na cueca”?
– Não, também não. Essa atração foi nosso lançamento para a Primavera 2020. Muito lucrativa! Nossa mina de ouro. Pouco investimento e muito lucro. Não declarado, é claro. Tudo “por fora”. Mas deu certo.
– Essa eu assisti. Passou até na TV. Muito boa mesmo! Tão legal quanto o “Fim da Corrupção”. Muito real, muito verossímil, muito convincente.
– Já sei! – disse outro cidadão. Hoje será o dia da “Pólvora nos EUA” .
– Quase acertou, disse o rapaz da propaganda. Mas esse título fará parte do nosso “Preview Verão 2021”. Será lançado após a posse do novo Presidente dos Estados Unidos.
– Mal posso esperar – disse alguém no meio da multidão que já se aglomerava na porta do teatro. Já comprei até a minha arma nova para participar do evento.
Alguém lá do fundão grita:
– Já sei! A próxima atração será “A Limpeza da Gravata” .
– Infelizmente não, disse o rapaz. Esse foi um sucesso recentíssimo e paralelo, da mesma equipe. Tem uma certa origem, uma gênese comum em relação a outros sucessos anteriores. É um gênero muito cultivado pelos participantes do nosso time, nosso “dream team” . Nesse último título vislumbramos referências claras aos grandes sucessos “Golden Shower”, “Colocar nas Hemorroidas” e “Dia Sim, dia Não”, os quais formaram a grande trilogia da temporada 2019/2020.
– É muito bom quando a gente consegue identificar o estilo do artista, não? Torna-o único, imortalizado, disse alguém.
-Sim, disse outro. Incomparável. Tem um toque pessoal, personalizado. Um “quê” de psicanalítico.
– Inesquecível, mesmo, sintetizou mais um. Uma produção bem autoral. A “Nouvelle Vague” brasileira, um novo Glauber, com “01, 02, 03 ideias na cabeça e uma arma na mão”.
Finalmente, alguém gritou lá do fundão:
– Já sei o nome da próxima atração: “Os Maricas do Brasil” .
– Bingo! É o hit da pandemia. Foi lançado em 2020 mas tem duração estendida e abrangência nacional. É uma reedição modernizada do grande sucesso dos anos 80 “Prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”. Remasterizado. Remake com novos artistas, nova direção, novo roteiro, novo contexto, nova “pegada”. Mas com o mesmo sentimento. Vai virar “cult”, tenho certeza. Toca o caráter do brasileiro, seu lado mais profundo, o âmago, sabe?
– Eu gosto de atrações assim, disse alguém. Que mexem com a gente. Revolvem as nossas questões internas, mais profundas. Descortinam o nosso caráter. Fazem a gente pensar.
– Pensar no quê?
– No que realmente somos, vendo um espetáculo desses e permanecendo inertes.
* Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada