Poucas vezes, nas últimas décadas, as relações entre o Brasil e o Estados Unidos nunca estiveram tão abaladas: a diplomacia de golpes e contragolpes.
Há uma guerra no ar entre os dois países.
Ao sul do Equador, um presidente exibindo sinais de que não está tomando a sua medicação “tarja preta”. Na outra direção, o presidente eleito que já manda sinais de que vem chumbo grosso.
Analistas da América Latina frisam que o episódio de 1977, a recusa do Brasil em continuar a receber cooperação militar dos Estados Unidos e a expulsão de agentes do DEA (Drug Enforcement Administration) do território brasileiro no governo Fernando Henrique foram dois tensos momentos nas relações diplomáticas entre dos dois países.
As afinidades entre o Brasil e do futuro presidente dos Estados Unidos estão se deteriorando.
“Washington e Brasília raramente desenvolvem uma parceria autêntica e sustentável para enfrentar desafios regionais — e ainda menos para enfrentar desafios globais”, dizia o chefe da Missão Militar Brasil-Estados Unidos nos anos setenta, almirante William M. Callaghan Jr.
O ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil (1973-78), John Hugh Crimmins, comentou num encontro em Washington no início do governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que “Hoje, várias mutações ocorridas na região tornam possível e necessária uma parceria hemisférica. Os principais desafios encarados pelos Estados Unidos e pelo Brasil tornaram-se tão intricados e marcadamente transnacionais que não podem ser controlados ou superados por qualquer país sozinho. Ao mesmo tempo, o Brasil está diversificando suas relações econômicas e políticas internacionais, tornando-se menos dependentes dos EUA.”
O ex-embaixador sempre reclamou do péssimo tratamento que os diplomatas americanos recebem no Brasil. “Na minha época, Washington estava com medo de que o Brasil fosse construir armas nucleares, principalmente bombas atômicas. Os brasileiros nunca trataram a gente com respeito e dignidade”. É bom lembrar que o Brasil tem a quinta maior reserva de urânio do planeta, com 5,3% do total do minério (o que equivale a cerca de 309 mil toneladas de urânio).
Transição nublada na capital americana
Os últimos acontecimentos em Brasília apontam que os diplomatas brasileiros estarão fora das listas convidados para frequentar as famosas recepções do último andar do Departamento de Estado, de onde se tem uma incrível vista dos parques que escoltam o leito tortuoso do Rio Potomac.
O programa do Biden para o Brasil identifica as algumas áreas mais prósperas para uma parceria entre os dois países: o incremento de fontes de energia sustentáveis e o combate às mudanças climáticas, principalmente a preservação da Amazônia; o controle eficiente e eficaz de movimentos migratórios; a ampliação das oportunidades para todos, por meio de integração econômica; e a proteção hemisférica contra o tráfico de drogas e o crime organizado.
A chegada de um novo governo em Washington abrirá as portas para um novo modo de olhar esse relacionamento entre os dois países cada vez mais deteriorado.
Uma semana mal assombrada
O presidente Donald Trump agora está ingressando em um clube de líderes truculentos que, independentemente do que os eleitores decidam, se declaram vencedores das eleições. Essa liga conta com ditadores, tiranos e príncipes.
O comportamento do republicano vem causando um mal-estar e nas principais democracias do planeta. Para o embaixador do Tio Sam na Rússia sob o presidente Barack Obama e um crítico frequente de Trump. Michael McFaul, a “recusa do presidente em aceitar os resultados da eleição” como “seu presente de despedida para ditadores em todo o mundo”.
Até os mais bisonhos gestores reconhecem que há vários problemas na teoria : “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. É muita ironia da política dos EUA. Depois de décadas pregando a democracia para todos os outros países, os Estados Unidos estão sendo acusados de muita hipocrisia : “bebendo vinho e pregando água”. Mesmo ditadores veteranos, no entanto, às vezes admitem a derrota.
A recusa de Trump em aceitar o resultado da eleição ressoou com força no muito inteiro, principalmente no território brasileiro.
Na capital americana, os diplomatas de diversos países do Terceiro Mundo estavam como sérias dúvidas. Como o governo dos EUA pode continuar a cruzada de convocar eleições livres e justas na América Latina, quando o seu próprio presidente não reconhece os resultados de um processo eleitoral limpo em seu próprio país?
É um presente de propaganda para Jair Bolsonaro, que sonha em se perpetuar no poder.