Na maior democracia do mundo o voto do cidadão não elege diretamente o presidente  

Na democracia americana a eleição presidencial é um espetáculo de civismo, propaganda  e demonstração de suas peculiaridades. A população, já acostumada com as singularidades  da legislação eleitoral, sofre por força de um detalhe bastante singular. São mais de 210 milhões de eleitores, aumentando a cada pleito, que embora não sejam obrigados a votar, costumam comparecer às urnas para exercer o saudável exercício democrático do voto. Há festas, espetáculos, publicidade, convenções, debates. O povo entusiasmado vota, mas  quem elege o presidente são 270 senhores ou senhoras que integram o chamado Colégio Eleitoral. Reconhecidamente é um dos sistemas eleitorais mais complicados do mundo.

Mesários contam votos manualmente

Nem todos conseguem entendê-lo completamente. O Colégio Eleitoral foi criado pelos constituintes da Carta de 1787 para superar um problema específico da época: o isolamento. A população vivia espalhada  pelos  campos, e não havia meios de comunicação nem  transporte  para o deslocamento até os  locais  de votação. Essa foi a origem do Colégio Eleitoral, que tem 538 integrantes, dos quais é preciso um candidato obter os 270 votos para ser eleito Chefe do Governo. Esses digníssimos cidadãos representantes de cada Estado, no fim das contas é que vão eleger o novo presidente. A apuração dos votos nos Estados Unidos é das mais lentas, entre os países desenvolvidos.

O tal Colégio Eleitoral é uma entidade meio misteriosa que elege o presidente do país mais poderoso do mundo. Trata-se de uma baita responsabilidade, especialmente porque ninguém teve a indicação para o Colégio sacramentada pela sociedade. E as excelências escolhidas  são obrigadas a respeitar a decisão anterior do eleitorado de cada Estado. Até hoje, desde sua criação, por uma única vez, 9 delegados tiveram a audácia de votar contra a vontade de seu Estado, expressa pelos eleitores na votação popular. E foram  devidamente execrados, mas nada lhes aconteceu. Votaram desta forma porque quiseram, não atrapalhou em nada a eleição do novo presidente. Afinal, são 538 integrantes. Ainda  pelo  retrospecto  histórico, houve apenas  uma vez que o Colégio Eleitoral enfrentou  uma grande confusão.

Al Gore

Continuou, entretanto, sendo  o componente  mais importante  do espectro eleitoral  dos Estados Unidos,  como  continuará  a ser  até o fim do mundo. Na eleição do ano 2000, o candidato Democrata Al Gore obteve  maioria  de votos populares sobre Bush, na Flórida, responsável por 29 preciosos votinhos no Colégio Eleitoral. Gore recorreu a todas as instâncias possíveis, mas quem viria  solucionar a questão seria a Suprema Corte de Justiça. Única vez em que tal aconteceu no poderoso Colégio Eleitoral. Foi um drama de 50 dias. Por uma simples  coincidência Jeb Bush, irmão do candidato George, era o governador da Flórida. Imaginava-se uma disputa apertada, mas nada disso. A Suprema Corte deu apenas  o mínimo necessário a Bush: 270 votos, mais 1 = 271.

Mr Trump – Foto Shealah Craighead

Anos mais tarde, em 2016, a candidata Democrata Hillary Clinton obteve mais de 300 mil votos  de  vantagem sobre o grandalhão e rude Donald Trump, dos Republicanos. A  disputa, pela quarta vez na História, foi para o Colégio Eleitoral, o  elemento apropriado  a resolver  tais problemas. Mais uma vez o partido Republicano venceu no tapetão. As outras duas disputas  foram há dois séculos. Todas as questões foram enfrentadas com galhardia pela Constituição dos Estados Unidos. Não se trata de mera criatividade. O objetivo dos  autores  da eterna Constituição norte-americana foi garantir  ao país e sua população  o máximo dos direitos democráticos e a plena  representação de  sua população. Até agora, considerando  os poucos pesares, os resultados  tem sido altamente positivos.

Biden, vitorioso

O civilizado Joe Biden obteve 4,5  milhões de votos populares  de vantagem  sobre o exibicionista Donald  Trump, e no famoso Colégio Eleitoral estava com 290 votos ao terminar a votação. Qualquer  mudança  desse quadro  seria impossível. Mas Trump, embora com a visão e a audição  funcionando normalmente, assim como sua capacidade mental e cognitiva e o resto de seu potencial humano, diz apenas que foi roubado na contagem dos votos, e não reconhece a vitória do adversário. A legislação eleitoral americana não  estabelece prazo para o candidato derrotado reconhecer  a vitória de  seu contendor. Trump pode ficar até o fim da vida sem reconhecer a derrota. A única coisa que mudará será sua avaliação psíquica.

Em 1934, um  parlamentar desavisado apresentou no Congresso um  projeto para  a extinção do Colégio Eleitoral. Obteve apenas dois votos  favoráveis.

— José Fonseca Filho é Jornalista

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