PT flerta com autoritarismo, enfraquecimento institucional e caos econômico

Lula e eleitor do PT

Na última semana, foi divulgado o programa de governo do PT, intitulado “Plano Lula”, para subsidiar seu candidato na corrida eleitoral. Em um lapso no espaço-tempo, o partido critica e promete revogar medidas chanceladas durante os seus governos, além de propor mudanças nas atribuições de instituições, assemelhando-se a práticas de governos autoritários e medidas econômicas que poderiam levar o país à catástrofe.

Para início de conversa, o partido promete revogar três leis aprovadas durante seu governo: anticorrupção, das organizações criminosas e antiterrorismo. As duas primeiras compreendem uma série de dispositivos, entre os quais a delação premiada e o acordo de leniência, que permitiram à Polícia Federal e Ministério Público investigarem a fundo esquemas de corrupção, como os descobertos na Operação Lava Jato. As leis foram sancionadas por Dilma Rousseff, em 2013, como uma resposta às manifestações de rua ocorridas em junho daquele ano.

Eduardo Cardozo

Porém, como diz o provérbio popular, esperteza demais fica grande e come o dono. O partido acabou se tornando um dos principais alvos das investigações de corrupção, que resultaram nas prisões de diversas lideranças petistas, entre as quais o ex-presidente Lula. Petistas agora querem voltar ao governo para combater, principalmente, as delações premiadas, com a justificativa de que criminosos confessos não podem ficar impunes ao acusar inocentes. Também querem inserir na Constituição lei que impeça prisão logo após a condenação em segunda instância. Nem precisamos ir muito longe para saber qual situação enseja esse rancor todo.

Outra legislação aprovada durante a gestão petista, a lei anti-terrorismo também está na mira do partido. Escrita pelo então Ministro da Justiça e ex-deputado do PT, José Eduardo Cardozo, a lei era uma exigência para o país receber a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Foi aprovada e sancionada em 2013. Já na época, sofreu críticas de movimentos sociais ligados ao petismo, por supostamente poder ser usada para enquadrar manifestações como atos de terrorismo. De fato, manifestações, como depredar prédios públicos e privados, fazer barricadas para bloquear a passagem de transeuntes e com enfrentamento com as forças de segurança podem ser enquadradas pela lei. Desde quando isso não é terrorismo?

O ponto alto do programa do partido é a proposta de tornar o STF uma Corte exclusivamente Constitucional, a exemplo do que ocorre na Alemanha. Desta forma, ele não funcionaria mais como uma Corte de apelação, como é hoje, gerando excessiva demora processual. O PT também propõe a fixação de mandatos para compor os tribunais superiores, a exemplo da Alemanha que tem mandatos de 12 anos e da França, que renova três vagas de sua Corte Superior a cada três anos. Entretanto, não há uma sinalização de quando e como tais propostas seriam implementadas. Por exemplo, se a atual composição do Supremo poderia ser alterada já com essas leis, sem esperar a aposentadoria compulsória dos ministros aos 75 anos, que é a regra atual.

Jair Bolsonaro

Outra questão a ser enfrentada, de acordo com o programa petista, é a regulação dos meios de comunicação. A proposta é polêmica, visto que algumas alas do PT já defenderam o controle social da mídia, e agora o programa defende a garantia de pluralismo e diversidade. Entre outras coisas, isso pode significar que o governo possa interferir no conteúdo dos veículos midiáticos. Exemplo recente foi a notificação do Ministério Público do Trabalho para a Rede Globo, exigindo que atores negros fossem escalados na novela Segundo Sol. Num eventual governo petista, será que haveria um órgão para controlar os aspectos de “pluralismo e diversidade”, e poderia, por exemplo, exigir que um jornal contratasse um comentarista simpático ao governo para compor sua bancada? De fato, a necessidade de reformular o marco regulatório das comunicações existe, visto a antiguidade do atual (década de 1960) e a entrada no mercado de novas tecnologias, porém há uma incerteza atrelada a essas propostas, dados os ataques que lideranças petistas fazem contra emissoras de TV, jornais e até sites.

Já na área econômica, o PT ignora uma parte dos anos em que esteve no governo para ter sucesso. O partido quer destruir totalmente o tripé macroeconômico. Foi fundamental para o governo Lula ter uma autoridade monetária forte, com Henrique Meirelles na Presidência do Banco Central, para a redução e estabilização do índice de inflação. Agora, o partido propõe aumentar a composição do Conselho Monetário Nacional (CMN) para incluir, além dos Ministros da Fazenda e Planejamento e o Presidente do Banco Central, sindicalistas na definição da meta de inflação. Desta forma, a definição da taxa básica de juros seria influenciada por vontades políticas, com os aspectos técnicos ficando em segundo plano. Aliás, o CMN, antes do Plano Real tinha vários integrantes na sua composição, e suas reuniões se tornavam arenas de disputa entre interesses corporativos.

Luís Carlos Bresser Pereira

Outro item do tripé na mira do partido é o câmbio flutuante. O programa petista propõe cobrar impostos de exportadores, principalmente os de produtos básicos, como os de agricultores, para evitar movimentos de excessiva valorização do real. Também está no documento a possibilidade de regular a entrada de capital de curto prazo como forma de limitar a volatilidade provocada pela especulação financeira. Ou seja, o partido adotará medidas de controle do câmbio, para estimular a indústria, algo que não funciona, mas que segue defendido por economistas heterodoxos, como o ex-ministro Bresser-Pereira. O resultado deverá ser um encarecimento de produtos básicos, que têm seu valor atrelados ao preço do dólar.

Por fim, fechando com chave de ouro, o PT quer revogar o teto de gastos, colocando uma regra menos rígida no lugar, visando que o governo possa gastar mais em períodos de crise econômica. Entretanto, a proposta choca-se com o atual momento do país, que passa por uma grave crise fiscal, com déficits primários recorrentes desde 2014, com projeção de virar superávit apenas em 2022. Aliás, os seguidos déficits começaram com as políticas de desonerações fiscais e distribuição de subsídios para o setor privado durante o governo Dilma, e agravaram-se com a elevação dos gastos previdenciários. Outro ponto importante, para o coordenador econômico do PT, Marcio Pochmann, a Reforma da Previdência não é urgente, embora ela represente quase 60% do gasto primário do governo federal.

Além de destruir o tripé macroeconômico, política que garantiu o maior período de estabilidade econômica ao Brasil recentemente, entre 1999 e 2010, o PT também quer tomar medidas que agravam a insegurança jurídica e a previsibilidade econômica do país. Entre as principais, destacam-se a revogação da reforma trabalhista, deixando sob júdice os contratos firmados com as regras atuais, o veto ao acordo entre Embraer e Boeing, para a formação de uma joint-venture na aviação comercial e o cancelamento dos contratos de exploração do pré-sal. Nenhum investidor do mundo sentirá a segurança necessária para alocar seus investimentos no Brasil, com o país desfazendo contratos e mudando regras ao sabor de mudanças políticas, o que contribuirá para elevar o desemprego.

Jacques Wagner

Ainda há espaço para combater as altas taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras do Brasil. Aumentando a concorrência e estimulando o surgimento de fintechs? Nada disso. Cobrando imposto sobre bancos que praticassem um spread bancário, que é a diferença entre o que o banco cobra para emprestar dinheiro e o que paga para tomar esse dinheiro no mercado, acima do estipulado pelo governo. Da mesma forma como o governo Sarney fazia tabelamento de preços para combater a inflação, e Temer fez um tabelamento do frete, que deu errado e só serviu para elevar os custos de produção, consequentemente o preço de venda dos produtos finais, o PT quer criar uma tabela do spread bancário. A história é eloquente em exemplos de quanto isso tem altíssima chance de dar errado.

Apesar do PT ainda insistir na candidatura de Lula, que deverá ser indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, com base na Lei Ficha Limpa, Fernando Haddad, o coordenador do programa de governo petista e candidato a vice-presidente, é quem deverá assumir a candidatura. Entretanto, é triste constatar que após 13 anos de governo, o PT pretende retomar o Planalto para colocar em prática um programa de revanche contra aqueles que considera adversários políticos, além de fortalecer o capitalismo de compadrio e o intervencionismo estatal na economia brasileira, em contraponto a uma necessária agenda republicana e reformas fiscais, para tornar o Estado mais eficiente, garantindo sua saúde fiscal. Inclusive, se o PT puxar pela memória vai lembrar que o governo Lula foi guiado pela manutenção da estabilidade macroeconômica, com a adoção do tripé, fez a última grande Reforma da Previdência do setor público e promoveu programas sociais focalizados, como o Bolsa-Família. Da forma em que está colocado, são justamente os eleitores mais pobres que sofrerão com as consequências do programa, principalmente nos índices de desemprego e inflação.

*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com

 

 

 

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