Na última semana, pulularam manifestações nas redes sociais, sites e jornais de pessoas escandalizadas com a possível falta de orçamento suficiente da CAPES para pagar as bolsas de pós-graduação, a partir de agosto de 2019. Parte dessas manifestações eram acompanhadas de críticas ao Teto de Gastos, que seria o grande vilão por trás da falta de recursos da CAPES.
Entretanto, como já debati em texto anterior: Teto de Gastos: remédio, não doença, o Teto de Gastos é um instrumento imprescindível para a estabilidade macroeconômica brasileira, funcionando como uma âncora de expectativas no longo-prazo. Além da importância fiscal, o Teto de Gastos também apresenta um aspecto de educação orçamentária, pois os limites dos gastos públicos ficam evidentes, provocando buscas por gastos socialmente injustos ou ineficientes do governo, que poderiam ser cortados.
Entre 2010 e 2015, os desembolsos com bolsas da CAPES quase se multiplicou por três, em valores atualizados pelo IPCA. A principal fonte de ampliação dos recursos foi o Programa Ciências sem Fronteiras, que consumiu R$ 12 bilhões de reais no período para enviar estudantes de graduação e pós-graduação, de cursos de Exatas e Biológicas, para fazer intercâmbio no exterior. Em setembro de 2015, o Governo Federal, ainda liderado por Dilma Rousseff (PT) anunciou que não abriria mais editais para o programa. Desde então, o orçamento da CAPES vem caindo ano após ano, voltando a um patamar próximo ao que havia antes da realização do programa. Em 2016, houve uma queda brusca nos gastos da CAPES, por orçamento aprovado em 2015, ou seja, ainda durante o governo Dilma.
O fim do programa Ciências sem Fronteiras, que até hoje carece de uma avaliação de impacto e efetividade rigorosa, deu-se por conta da grave crise fiscal, na qual o Brasil mergulhou a partir de 2015. Não discutiremos os agravantes dessa crise, amadurecida pelas decisões tomadas durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff na Presidência. Mas sim, os efeitos práticos que ela teve no cotidiano dos gastos públicos.
Num esforço para conter o crescimento do déficit primário, o governo federal passou a contingenciar despesas. Ou seja, despesas antes previstas no orçamento não eram executadas, pois a arrecadação estava aquém da previsão inicial. O foco dos seguidos contingenciamentos foram os gastos discricionários, aqueles que o governo pode cortar livremente, sem precisar aprovar lei ou emenda constitucional no Congresso Nacional. Entre essas despesas, encontram-se os investimentos em Ciência e Tecnologia, entre os quais programas como o Ciência sem Fronteiras e o pagamento de bolsas de estudo.
Porém, mesmo com os contingenciamentos de gastos discricionários, o déficit seguiu aumentando, pois os gastos obrigatórios continuaram elevados. Entre o destaque, estão os gastos com Previdência Social. Só neste ano de 2018, a expectativa é de um aumento real em despesas previdenciárias de quase 8%. Atualmente, a Previdência Social consome quase 50% de todos os gastos primários do governo federal (http://www.tesouro.fazenda.gov.br/resultado-do-tesouro-nacional).
A situação da Previdência Social tende a se agravar no futuro próximo, visto que o bônus demográfico (período em que o crescimento da população em idade ativa é maior que o crescimento da população total) acabou este ano, após décadas de avanço. Desta forma, teremos cada vez mais aposentados e cada vez menos trabalhadores para bancar o regime previdenciário. Evidentemente, a conta não vai fechar e a tendência é a Previdência consumir cada vez mais despesas de outros setores do governo.
Por tais motivos, o Brasil discute sobre Reforma da Previdência há anos, já tendo realizado reformas durante o governo FHC, Lula e uma minirreforma nas regras de acesso à pensão por morte e seguro-desemprego no governo Dilma. No governo Temer, houve o envio de uma proposta de reforma ao Congresso Nacional, que acabou não sendo aprovada. A proposta sofreu oposição de diversas categorias, principalmente ligadas ao funcionalismo público, pois restringia muito o acesso à aposentadoria com salário integral e reajustes semelhantes ao dos servidores que continuam na ativa.
Um exemplo de servidor com aposentadoria integral é o de Abílio Afonso Baeta Neves. De acordo com o portal da Transparência do Governo Federal, Abílio recebe uma remuneração bruta mensal de R$ 37.853,73. Desde 2016, o ex-professor da UFRGS é o Presidente da CAPES e foi o autor da carta que solicitava mais recursos para o órgão em 2019. Durante as discussões sobre a Reforma da Previdência, Abílio não manifestou apoio ao projeto nem salientou sua importância.
Outro gasto do governo federal que se eleva ano após ano são as despesas com folha de pagamentos. Apenas em 2017, de acordo com o Tesouro Nacional, as despesas com Pessoal e Encargos Sociais representou 20% das despesas primárias do governo federal. Para o ano de 2019, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, senador Dalírio Beber (PSDB-SC), tentou aprovar um dispositivo que vetasse a concessão de reajustes para servidores públicos. A proposta foi derrubada no plenário do Congresso Nacional, com presença das mais variadas corporações do serviço público defendendo seus interesses. A expectativa é de que os reajustes salariais custem R$ 17 bilhões aos cofres públicos em 2019, sendo R$ 6 bilhões com servidores civis e R$ 11 bilhões com militares. Além da estabilidade no emprego, o servidor público federal ganha, em média, um salário 67% maior que um mesmo funcionário do setor privado, em um cargo equivalente, de acordo com estudo do Banco Mundial.
O presidente da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, também deu uma entrevista (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45063428) alarmado com o possível cenário a ser enfrentado pela CAPES em 2019: “teremos um impacto muito grande na economia, na saúde, em diversos setores que dependem da ciência para inovação. Afeta o desenvolvimento de vacinas, a produção de energia. A agricultura no Cerrado é algo que depende fortemente da ciência, que só foi possível graças à ciência.”
Questionado sobre a penúria das contas públicas, Ildeu não teve dúvidas e afirmou: “Essa história de não ter dinheiro é muito relativa. Nós estamos falando aqui de 0,25% do orçamento, que é o recurso todo para ciência, tecnologia e inovação. Tem também uma parte do MEC (Ministério da Educação), que pega a Capes, mas se você comparar o total com outros setores, o investimento em ciência no Brasil é diminuto. Compare com o recurso que vai para as bolsas de auxílio-moradia para juízes e promotores que já têm casa. E o dinheiro que pagamos de juros da dívida pública.”
Como já se tornou praxe neste ano eleitoral, Ildeu, assim como alguns presidenciáveis, mistura despesas financeiras com despesas primárias para apontar um descontrole no pagamento de juros. Também joga a responsabilidade para o auxílio-moradia do Judiciário, que também se constitui num grotesco privilégio que custa R$ 800 milhões de reais por ano aos cofres da União. Entretanto, Ildeu não defende a Reforma da Previdência ou restrição de aumentos ao funcionalismo federal. Não seria por menos. O Portal da Transparência do governo federal informa que Ildeu é professor de Física na UFRJ e recebe um salário bruto mensal de R$ 20.216,28. Mesmo após as deduções legais, seu salário líquido fica em R$15.526,17, suficiente para colocá-lo no grupo do 1% mais rico do Brasil, de acordo com a PNAD Contínua de 2017 (https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/17270-pnad-continua.html?edicao=20635&t=resultados).
Aqueles que possuem privilégio não o admitem, porém sempre apontam o dedo para o privilégio do outro. As entidades ligadas à Ciência e Tecnologia, e os demais interessados (professores, alunos, pesquisadores em geral) do país deveriam, sim, atentar-se para o péssimo estado das contas públicas brasileiras e o efeito danoso que isso pode ter nas diversas áreas, inclusive na Ciência e Tecnologia. Poderiam colaborar com o debate público e apoiar matérias que fariam do gasto público mais sustentável e socialmente justo, como a Reforma da Previdência, unindo o regime geral com o regime próprio dos servidores e a reestruturação das carreiras do serviço público.
Do contrário, defender apenas a manutenção ou elevação dos gastos com bolsas de estudo tem caráter oportunista e irresponsável. O puro aumento de gastos públicos, sem compensação, faz com que aumentemos o endividamento do governo. Além disso, a inflação também experimenta aumentos nesses períodos. Assim, estaremos condenando gerações futuras a ficarem sem investimentos em áreas bastante importantes para garantir os privilégios do presente.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com