O juiz Sergio Moro foi à Nova York para receber, da Câmara de Comércio Brasil-EUA, o prêmio de Pessoa do Ano. A honraria é entregue há 48 anos, sempre para um brasileiro e um estadunidense. No ano anterior, o brasileiro vencedor do prêmio foi o ex-prefeito de São Paulo, João Doria. Para quem já viu cerimônias como o Oscar ou o prêmio de melhor do mundo da FIFA, não é raro ver os vencedores do ano anterior entregando o troféu para o ganhador do seguinte.
Pois bem, foi isso que aconteceu na noite da última terça-feira. Doria entregou o troféu para Moro durante a cerimônia. Em alguns outros momentos, Moro e Doria saíram em fotos juntos, seja com suas esposas ou até com o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. Um evento que, em qualquer lugar do mundo, ficaria restrito às colunas sociais, mas no Brasil serve para inflar teorias da conspiração.
As fotos dessa premiação somam-se a duas outras. A primeira, quando Moro foi premiado pela IstoÉ no final de 2016, e a revista o colocou sentado ao lado do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Na ocasião, a imprensa captou momentos de descontração entre os dois. O segundo momento foi a premiação com a Ordem do Mérito Militar, na qual Moro cumprimentou o Presidente Michel Temer com um sorriso. Com os fatos reunidos, era suficiente para militantes difundirem a narrativa de que as fotos comprovavam a complacência de Moro com tucanos e emedebistas, enquanto persegue ferozmente o PT.
Argumento extremamente distorcido, que não leva em conta uma série de fatores. Premiações como essas são comuns e sempre aconteceram. No apogeu do governo Lula, o próprio e outras figuras altas da esquerda apareciam abraçados e sorridentes com figurões da tão demonizada “elite nacional”, incluindo banqueiros e grandes empresários. Basta uma pesquisa rápida na internet e as fotos aparecerão. Antecipo que o resultado pode assustar.
Além disso, Sergio Moro julgará apenas um tucano na Operação Lava Jato: o ex-governador do Paraná Beto Richa, contra quem já determinou abertura de inquérito. Os demais casos estão todos fora da alçada de Moro: ou estão no STF, STJ ou nas Justiças estaduais e federais dos estados onde os esquemas teriam acontecido. Tome por exemplo o inquérito envolvendo Geraldo Alckmin, que seguiria para a Justiça Federal de São Paulo, mas por pedido da PGR e anuência do STJ, irá para a Justiça Eleitoral de São Paulo. De qualquer forma, passaria longe de Moro.
Com Moro, ficam apenas os casos de corrupção envolvendo a Petrobras, por determinação do STF, ainda em 2014. O caso de Beto Richa foi remetido à Vara do juiz por ter ocorrido no mesmo estado. A partir de 2019, inquéritos envolvendo Temer e Eliseu Padilha serão enviados à Curitiba. Com a restrição do foro privilegiado, inquéritos envolvendo Romero Jucá, Edson Lobão e Renan Calheiros também devem ir para lá. Também é importante refrescar a memória, lembrando que Eduardo Cunha encontra-se preso, sob ordem de Moro.
Todos os inquéritos e delações contra a ampla gama de políticos brasileiros foram obtidas através da atuação da força-tarefa da Lava Jato no Paraná. A prisão de operadores, grandes empreiteiros e políticos abriu o caminho para que mais peixes fossem trazidos ao cardume enlameado pelo financiamento eleitoral obscuro. As tão criticadas prisões preventivas e o medo da condenação rápida em segunda instância foram essenciais para que cabeças coroadas, como Marcelo Odebrecht, abrissem a matraca e revelassem a podridão que sustenta o sistema político do país.
A confiança nas instituições seria maior se os seus componentes não se misturassem, seja em eventos ou em reuniões às escondidas. Porém, elas são compostas por pessoas, as quais precisam satisfazer o próprio ego, e desta forma acabam dando brecha para narrativas políticas. Por outro lado, é importante notar que os grupos políticos pouco se importam em debater aspectos estruturais das instituições, preferindo se concentrar em fofocas. Poderiam, por exemplo, protestar ou propor leis no Congresso Nacional visando tornar a Justiça, sobretudo para colarinhos brancos, mais rápida e reduzindo a influência do poder Executivo na escolha de integrantes do Judiciário.
A foto de Moro com Doria em Nova York não comprova amizade e nem benevolência em relação aos tucanos, para aqueles que se preocupam em entender onde acaba e onde termina sua jurisdição. Contudo, prova a falta de comprometimento de grupos políticos, que estão dispostos a confundir eleitores em geral para atingirem objetivos pessoais, sem darem qualquer atenção para as questões estruturais. De fato, se a estrutura fosse alterada, não haveria como dela se beneficiar no futuro.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com