Recentemente, o cartunista americano Scott Adams lançou o livro “Ganhar de lavada: Persuasão em um mundo onde os fatos não importam”, no qual analisa técnicas de persuasão utilizadas por Donald Trump, para vencer a eleição presidencial dos EUA, em 2016. Na época, Adams escrevia em seu blog textos prevendo a vitória de Trump, pois observava o então candidato republicano utilizando, com perfeição, as técnicas descritas no livro.
Uma dessas técnicas consiste em fazer uma afirmação, que contenha um dado bastante exagerado (ou falso mesmo) e aguardar pela repercussão, mesmo que negativa, na qual as pessoas em geral e especialistas gastarão tempo e energia para criticar ou desmentir essa afirmação. Com isso, por mais que a princípio, essa repercussão negativa pareça ruim para o candidato, acaba se tornando um fator positivo, de acordo com a estratégia da campanha eleitoral.
Por exemplo, Trump anunciou, como uma de suas primeiras propostas, a construção de um muro na fronteira entre EUA e México, para conter a entrada de imigrantes ilegais no país. Conforme esperado, a proposta logo passou a ser criticada e ridicularizada, seja por jornalistas, acadêmicos ou eleitores em geral, pela aparente estupidez em tratar um problema tão complexo com uma solução tão simples, ineficaz e, ao mesmo tempo, faraônica. Entretanto, as pessoas não perceberam que ao direcionar suas análises para a proposta, estavam fazendo com que o foco do debate político fosse ditado por Trump. Naquele momento, o tema da imigração passou a ganhar relevância e importância no inconsciente das pessoas, movendo o centro do debate para uma zona de conforto do republicano.
A campanha eleitoral de 2018 está começando, oficialmente, neste mês de agosto. Já houve a realização do primeiro debate entre os candidatos à Presidência, na Rede Bandeirantes. Como no início de toda campanha, foi um debate morno, com poucos confrontos mais ásperos entre os candidatos. Um deles, Cabo Daciolo (Patriota), chamou mais a atenção, pela performance de candidato folclórico. Porém, logo em seguida, o assunto que mais rendeu (e vem rendendo) discussões foi a proposta de Ciro Gomes (PDT), de limpar o nome de 63 milhões de brasileiros que se encontram inadimplentes.
O candidato não deu detalhes de como viabilizaria essa ideia, porém, desde então o tema é debatido por economistas, militantes e tornou-se meme nas redes sociais. A possível irresponsabilidade em usar dinheiro público para esse fim, num momento de grave crise fiscal, é apontada por uns. O risco de uma intervenção dessa envergadura no mercado privado também é citada como fonte de instabilidade por outros. Entretanto, já aparecem defensores da medida, citando os refinanciamentos de débitos tributários que o governo fez recentemente com ruralistas e empresários, além de gastos públicos ineficientes e socialmente injustos, como o pagamento de auxílio-moradia a magistrados.
O presidenciável pedetista sequer esmiuçou sua proposta. Aliás, não se pode garantir nem que ele já tenha uma proposta para o assunto. Entretanto, desde quinta-feira é ela quem está dominando o debate público, seja através de críticas ou manifestações de apoio. Isso pode fazer com que os demais candidatos também se posicionem em relação ao assunto, fazendo o tema ganhar relevância na disputa eleitoral. Ciro já vem fazendo isso há um tempo, quando afirma que o governo gasta mais da metade do orçamento com pagamento da dívida pública, sem fazer distinção entre receitas tributárias e financeiras, nem despesas primárias e financeiras, muito menos entre juros, rolagem e amortização. A ideia é incutir no eleitorado brasileiro que a crise fiscal se encontra no “pagamento de juros para os rentistas da dívida pública”, e não no aumento explosivo de gastos previdenciários.
Portanto, não há nada de estupidez ou ignorância nas propostas inviáveis e diagnósticos equivocados apresentados por Ciro Gomes. Há, sim, um método para mudar o foco do debate público e influenciar o inconsciente coletivo, para beneficiar a si próprio, já utilizado de forma bem-sucedida pelo atual mandatário da nação mais poderosa do Planeta. Críticos dessas afirmações acabam contribuindo para a estratégia do candidato. Enquanto isso, os grandes problemas nacionais jazem esquecidos no debate cotidiano do cidadão comum.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com