Foi no interior do Brasil, que surgiu a expressão “boi de piranha”. Ela se referia à situação na qual criadores de gado, ao atravessar um rio infestado de piranhas, abateriam um dos bois, já velho ou bastante doente, atirando seu corpo, sangrando, ao rio, para atrair os peixes carnívoros enquanto o resto da boiada atravessava o rio. O lançamento, pelo presidente Michel Temer, da candidatura à Presidência do ex-ministro Henrique Meirelles parece basear-se nessa expressão.
Temer chefia o governo mais impopular desde a redemocratização do país em 1985. Consegue ser mais rejeitado que o seu correligionário Sarney e sua antecessora Dilma Rousseff. O presidente chegou a animar-se no início do ano, colocando-se como candidato à reeleição, esperançoso de que a economia traria bons resultados, assim como a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro. Nem uma coisa nem outra.
A recuperação da economia segue lenta, com desemprego ainda alto e previsões de crescimento sendo revisadas para baixo. A incerteza dos agentes econômicos, já grande por conta das eleições, agravou-se com o abandono da agenda das reformas pelo governo, visto que o Congresso não pode emendar a Constituição enquanto um estado da federação estiver sob intervenção federal. E, até o momento, o fato mais lembrado durante a intervenção no Rio de Janeiro é a morte da vereadora psolista Marielle Franco, sem uma redução sensível na violência e sensação de insegurança dos fluminenses, principalmente dos cariocas.
Como as duas últimas cartadas para alavancar a popularidade não funcionaram, Temer tornou-se inviável para disputar a reeleição. Não só: um candidato apoiado pelo presidente conta com a antipatia de 86% do eleitorado, de acordo com o Datafolha. Nesse cenário, candidatos de partidos ligados à base do governo procuraram se afastar de Temer e rechaçar alianças com o MDB, pois seriam obrigados a defender o presidente e seu governo na campanha eleitoral.
Entretanto, o último movimento de Temer pode ser uma jogada, dentro de uma estratégia mais ampla. Meirelles, como ex-ministro da Fazenda, será carimbado com a marca “candidato do governo”. Tem mais resultados a mostrar, somando os anos em que esteve à frente do Banco Central no governo Lula, e menos páginas policiais ocupadas do que o presidente Temer. Mesmo assim, atrairá para si grande parte da rejeição ao governo do qual foi integrante.
Desta forma, abre-se o caminho para uma candidatura governista viés oposicionista, a ser encabeçada por Geraldo Alckmin, podendo contar com apoio de outros partidos, como DEM, PP, PR e PPS. Nesse contexto, Meirelles seria o sacrificado na disputa, para que Alckmin possa avançar. No futuro, caso a estratégia seja vencedora, tucanos e emedebistas voltariam a dividir o governo federal.
Trata-se de uma estratégia desesperada, para tentar, uma última vez, alavancar a candidatura de Alckmin. Porém, a tarefa não será fácil. Haja vista a resiliência nas intenções de voto de Jair Bolsonaro, concorrente direto no eleitorado de Alckmin, além de levantamento da Folha de São Paulo, mostrando que o PSDB foi o partido mais fiel a Temer no Congresso, votando em peso a favor das medidas propostas pelo presidente. Mesmo com um boi de piranha, vai ficar difícil o outro boi não ser devorado pela rejeição governista.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com