Lições do golpe a la movimento estudantil do PT

Damous, Pimenta e Teixeira, Foto Ricardo Stuckert/PT

Nas universidades brasileiras, é comum em eleições para os diretórios centrais ou deliberações sobre mobilizações estudantis, as lideranças do movimento aplicarem pequenos golpes para obterem os resultados desejados: impugnar chapas concorrentes por motivos fúteis, sumir com urnas durante o processo, fazer contagem por contraste visual dos votos em assembleias, marcar as assembleias em horários alternativos, entre outras pequenas tramoias.

O que o Brasil assistiu neste domingo foi algo semelhante, porém envolvendo congressistas petistas e um desembargador plantonista do TRF-4. Três deputados federais do PT; Wadih Damous (RJ), Paulo Pimenta (RS) e Paulo Teixeira (SP); inscritos como advogados da defesa de Lula, ingressaram com um pedido de Habeas Corpus para o ex-presidente Lula, no TRF-4. Já seria estranho, visto que o tribunal já havia esgotado o julgamento do caso do tríplex, cabendo recursos apenas aos tribunais superiores.

Entretanto, os três deputados-advogados argumentaram que havia um fato novo para justificar a liberdade de Lula: sua pré-candidatura à Presidência. Ora, a pré-candidatura de Lula é um fato tão novo quanto a saída de Dunga da Seleção Brasileira. Dificilmente seria acatado pela turma de julgadores que havia condenado Lula. E nesse ponto se deu o golpe: eles aguardaram o início do plantão de um outro desembargador, Rogério Favreto, para que a análise do Habeas Corpus caísse em suas mãos. Ele poderia ser mais simpático ao pedido lulista, visto que havia sido filiado ao PT por 20 anos e ocupado cargos de confiança nos governos do petista, sendo indicado ao TRF-4 por Dilma Rousseff, em 2011, menos de um ano após deixar o PT.

Rogério Favreto. Foto TRF-4

Não deu outra. Recurso protocolado na noite de sexta-feira, alvará de soltura expedido na manhã de domingo. Com alguns detalhes: o desembargador acolheu a tese de fato novo em relação à pré-candidatura, sem pedir manifestação do Ministério Público, e expediu o alvará de soltura pelo próprio TRF-4, quando o comum é remeter os autos para a primeira instância, para que o juiz da execução penal proceda com a expedição do alvará.

Como em tempos de movimento estudantil, os petistas aguardaram as férias do juiz Sérgio Moro, a ausência dos desembargadores titulares da turma no TRF-4 e foram contemplados com um alvará de soltura incomum, expedido pelo próprio Tribunal Regional. A ideia era sair com Lula da sede da PF, pela manhã, sem que a imprensa ou quaisquer outras autoridades soubessem. Citado na decisão, o juiz Sérgio Moro, mesmo de férias, decidiu fazer um despacho negando a soltura do ex-presidente Lula, alegando a falta de competência do desembargador para decidir sobre o caso, pois o colegiado já havia esgotado o julgamento. De fato, a resolução 71 do CNJ determina que um desembargador plantonista não pode reformar decisão já tomada no colegiado.

Desembargador Gebran Neto – Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

Com isso, teve início uma guerra de despachos. Logo após Moro dar a ordem contrária à prisão, o plantonista voltou a fazer um despacho reafirmando sua decisão anterior e exigindo a soltura imediata de Lula. Então, o desembargador Gebran Neto, relator do caso no TRF-4 emitiu um novo despacho, negando a soltura de Lula. Quando as coisas pareciam resolvidas, o plantonista reemitiu o despacho, determinando a soltura de Lula no prazo de uma hora. Coube ao desembargador Thompson Flores, Presidente do TRF-4, colocar orem na casa e revogar, de uma vez por todas, a soltura do ex-presidente.

Por algumas horas, o Brasil viveu um caos institucional, causado pela ação inesperada e intempestiva de um desembargador plantonista. A Polícia Federal ficou no meio da linha de tiro, de mãos atadas, sem saber qual das decisões cumprir. Não fosse a ação do juiz Sergio Moro, Lula teria sido solto, mesmo que a decisão afrontasse normas existentes e atropelasse decisões passadas do próprio TRF-4, STJ e STF.

Com os acontecimentos, o PT pretende reforçar a narrativa de que Lula é um preso e perseguido político. Porém, a história agora tem um calcanhar de Aquiles: o desembargador que concedeu o Habeas Corpus tinha ligações umbilicais com o PT, como já exposto anteriormente. Expressa ontem, esta tem sido uma das principais fontes de desconfiança em relação ao poder Judiciário.

No STF, há o ministro Gilmar Mendes, indicado à Corte pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem fora Advogado-Geral da União. Também há Dias Toffoli, indicado por Lula, tendo ocupado a Advocacia-Geral da União e cargos na Casa Civil durante o seu governo, além de ter advogado para o PT no passado. Por fim, Alexandre de Moraes, que era Ministro da Justiça de Temer, quando foi indicado pelo próprio presidente ao STF. Moraes ainda era filiado ao PSDB, deixou a legenda um dia antes da formulação de sua indicação.

Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes

Em cada decisão favorável ao PSDB tomada por Gilmar Mendes, como arquivamento de inquéritos envolvendo Aécio Neves, soltura de Paulo Preto, entre outras, a antiga ligação do ministro com o partido vem à tona, para colocar em suspeição quaisquer decisões. O mesmo ocorre com Dias Toffoli, quando vota a favor da soltura de José Dirceu e o libera do uso de tornozeleira eletrônica, e com Alexandre de Moraes, em julgamentos envolvendo petistas, e o ministro dá votos contrários. Os ministros poderiam evitar essas situações declarando-se suspeitos, mas não o fazem.

Seria de bom tom rediscutir as regras para indicação de integrantes de tribunais e órgãos de controle pelo chefe do executivo. Algum dispositivo que vetasse ao chefe do executivo indicar alguém que tenha ocupado cargo de confiança, durante seu governo, e exigir uma quarentena maior em relação à desfiliação partidária poderiam ser caminhos para alterar esse quadro de desconfiança e evitar situações vexatórias como a de domingo.

*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar)

 

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