Nas universidades brasileiras, é comum em eleições para os diretórios centrais ou deliberações sobre mobilizações estudantis, as lideranças do movimento aplicarem pequenos golpes para obterem os resultados desejados: impugnar chapas concorrentes por motivos fúteis, sumir com urnas durante o processo, fazer contagem por contraste visual dos votos em assembleias, marcar as assembleias em horários alternativos, entre outras pequenas tramoias.
O que o Brasil assistiu neste domingo foi algo semelhante, porém envolvendo congressistas petistas e um desembargador plantonista do TRF-4. Três deputados federais do PT; Wadih Damous (RJ), Paulo Pimenta (RS) e Paulo Teixeira (SP); inscritos como advogados da defesa de Lula, ingressaram com um pedido de Habeas Corpus para o ex-presidente Lula, no TRF-4. Já seria estranho, visto que o tribunal já havia esgotado o julgamento do caso do tríplex, cabendo recursos apenas aos tribunais superiores.
Entretanto, os três deputados-advogados argumentaram que havia um fato novo para justificar a liberdade de Lula: sua pré-candidatura à Presidência. Ora, a pré-candidatura de Lula é um fato tão novo quanto a saída de Dunga da Seleção Brasileira. Dificilmente seria acatado pela turma de julgadores que havia condenado Lula. E nesse ponto se deu o golpe: eles aguardaram o início do plantão de um outro desembargador, Rogério Favreto, para que a análise do Habeas Corpus caísse em suas mãos. Ele poderia ser mais simpático ao pedido lulista, visto que havia sido filiado ao PT por 20 anos e ocupado cargos de confiança nos governos do petista, sendo indicado ao TRF-4 por Dilma Rousseff, em 2011, menos de um ano após deixar o PT.
Não deu outra. Recurso protocolado na noite de sexta-feira, alvará de soltura expedido na manhã de domingo. Com alguns detalhes: o desembargador acolheu a tese de fato novo em relação à pré-candidatura, sem pedir manifestação do Ministério Público, e expediu o alvará de soltura pelo próprio TRF-4, quando o comum é remeter os autos para a primeira instância, para que o juiz da execução penal proceda com a expedição do alvará.
Como em tempos de movimento estudantil, os petistas aguardaram as férias do juiz Sérgio Moro, a ausência dos desembargadores titulares da turma no TRF-4 e foram contemplados com um alvará de soltura incomum, expedido pelo próprio Tribunal Regional. A ideia era sair com Lula da sede da PF, pela manhã, sem que a imprensa ou quaisquer outras autoridades soubessem. Citado na decisão, o juiz Sérgio Moro, mesmo de férias, decidiu fazer um despacho negando a soltura do ex-presidente Lula, alegando a falta de competência do desembargador para decidir sobre o caso, pois o colegiado já havia esgotado o julgamento. De fato, a resolução 71 do CNJ determina que um desembargador plantonista não pode reformar decisão já tomada no colegiado.
Com isso, teve início uma guerra de despachos. Logo após Moro dar a ordem contrária à prisão, o plantonista voltou a fazer um despacho reafirmando sua decisão anterior e exigindo a soltura imediata de Lula. Então, o desembargador Gebran Neto, relator do caso no TRF-4 emitiu um novo despacho, negando a soltura de Lula. Quando as coisas pareciam resolvidas, o plantonista reemitiu o despacho, determinando a soltura de Lula no prazo de uma hora. Coube ao desembargador Thompson Flores, Presidente do TRF-4, colocar orem na casa e revogar, de uma vez por todas, a soltura do ex-presidente.
Por algumas horas, o Brasil viveu um caos institucional, causado pela ação inesperada e intempestiva de um desembargador plantonista. A Polícia Federal ficou no meio da linha de tiro, de mãos atadas, sem saber qual das decisões cumprir. Não fosse a ação do juiz Sergio Moro, Lula teria sido solto, mesmo que a decisão afrontasse normas existentes e atropelasse decisões passadas do próprio TRF-4, STJ e STF.
Com os acontecimentos, o PT pretende reforçar a narrativa de que Lula é um preso e perseguido político. Porém, a história agora tem um calcanhar de Aquiles: o desembargador que concedeu o Habeas Corpus tinha ligações umbilicais com o PT, como já exposto anteriormente. Expressa ontem, esta tem sido uma das principais fontes de desconfiança em relação ao poder Judiciário.
No STF, há o ministro Gilmar Mendes, indicado à Corte pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem fora Advogado-Geral da União. Também há Dias Toffoli, indicado por Lula, tendo ocupado a Advocacia-Geral da União e cargos na Casa Civil durante o seu governo, além de ter advogado para o PT no passado. Por fim, Alexandre de Moraes, que era Ministro da Justiça de Temer, quando foi indicado pelo próprio presidente ao STF. Moraes ainda era filiado ao PSDB, deixou a legenda um dia antes da formulação de sua indicação.
Em cada decisão favorável ao PSDB tomada por Gilmar Mendes, como arquivamento de inquéritos envolvendo Aécio Neves, soltura de Paulo Preto, entre outras, a antiga ligação do ministro com o partido vem à tona, para colocar em suspeição quaisquer decisões. O mesmo ocorre com Dias Toffoli, quando vota a favor da soltura de José Dirceu e o libera do uso de tornozeleira eletrônica, e com Alexandre de Moraes, em julgamentos envolvendo petistas, e o ministro dá votos contrários. Os ministros poderiam evitar essas situações declarando-se suspeitos, mas não o fazem.
Seria de bom tom rediscutir as regras para indicação de integrantes de tribunais e órgãos de controle pelo chefe do executivo. Algum dispositivo que vetasse ao chefe do executivo indicar alguém que tenha ocupado cargo de confiança, durante seu governo, e exigir uma quarentena maior em relação à desfiliação partidária poderiam ser caminhos para alterar esse quadro de desconfiança e evitar situações vexatórias como a de domingo.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar)