Desde a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, um tema tem sido recorrente nos debates sobre as disfuncionalidades da democracia: as fake news. Tratam-se de notícias falsas, divulgadas em sites apócrifos e que tem o intuito de causar danos na imagem de algum adversário político, ou figuras próximas a esse adversário. Entretanto, observa-se um fenômeno ainda mais difícil de ser combatido e que também ganhou força na era das redes sociais: as fake data.
Diversos sites de checagem de fatos foram criados, jornais e portais dedicam uma parte de seu conteúdo para desmentir notícias falsas veiculadas na internet, porém as fake news continuam a existir e aparecer com frequência nas redes sociais e nos grupos de Whatsapp da família. A maior dificuldade em torno delas é fazer com que o desmentido atinja a mesma quantidade de pessoas que a notícia falsa atingiu.
Uma vez desmentida, não há mais discussão em torno daquela notícia falsa, embora alguns indivíduos ainda prefiram acreditar na mentira, seja por teorias da conspiração e/ou fanatismo de qualquer tipo. Tome-se o caso da vereadora Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada no Rio de Janeiro. Logo após sua morte, espalhou-se nas redes sociais uma notícia dizendo que ela teve um casamento com o traficante Marcinho VP. O embasamento da notícia se dava por uma foto, na qual nem Marielle nem Marcinho apareciam. Rapidamente, espalhou-se a verdade, com uma simples checagem de fatos e comparação de imagens da vereadora e traficante, para se concluir que ambos nunca tiveram um relacionamento.
Isso é um ponto importante das fake news: elas são fáceis de desmentir, pois não existe um choque de versões sobre um fato, mas sim um fato verdadeiro e uma mentira, claramente demonstrados. Ao contrário das fake news, os fake data são extremamente mais difíceis de desmentir.
Afinal, o que seriam fake data? Eles são uma evolução das fake news. Os fake data consistem em dados distorcidos, retirados de contexto ou, às vezes, falsos mesmo usados para embasar diagnósticos equivocados da realidade ou soluções mágicas de problemas extremamente complexos. Para ganhar autenticidade, os fake data são corroborados por autoridades no assunto em que estão inseridos: economistas, professores, técnicos de governo e lideranças políticas.
O exemplo máximo de fake data é o famoso gráfico da Auditoria Cidadã da Dívida Pública. De acordo com o gráfico, o Brasil gasta todo ano quase metade de seu orçamento para pagar juros da dívida pública para banqueiros internacionais, sendo este o motivo pelo qual falta recursos para investir em áreas prioritárias do governo. Na linha de frente desta campanha está uma ex-técnica da Receita Federal, e a história é propagada por políticos e lideranças de movimentos sociais.
Porém, assim como as fake news, ela é falsa. Uma rápida consulta ao orçamento federal e ao site do Tesouro Nacional bastam para ver que esse montante é o refinanciamento da dívida pública federal, que na prática consiste no governo emprestar dinheiro para pagar outro empréstimo. É como se o leitor tomasse emprestado 100 reais do banco A, tendo que pagar daqui um ano com juros de 10%. Ao fim do prazo, o leitor não tem os 110 reais (100 do principal + 10 de juros) e recorre ao banco B para emprestar o dinheiro. O banco aceita emprestar e cobra juros de 10% também. Ou seja, a dívida que era de 110 reais aumenta para 121 reais, mas agora o credor não é mais o banco A, mas o banco B.
Além disso, a maior parte da dívida pública é interna, com títulos vendidos no mercado nacional, podendo ser adquiridos por instituições e pessoas físicas. Os dados sobre a composição da dívida pública, bem como seus detentores são divulgados mensalmente pelo Tesouro Nacional. Se o leitor aplica dinheiro num fundo de previdência privada, muito provavelmente é um dos “rentistas” beneficiados pelos juros da dívida pública.
Assim como acontece nas fake news, os fake data também deveriam ser prontamente desmentidos. Porém, a desonestidade intelectual de oportunistas de plantão transforma esse processo num debate, como se ambas as versões fossem factíveis. Com isso, uma parte da sociedade é levada a acreditar em soluções fáceis e enxerga os problemas do país de maneira equivocada, com respaldo de técnicos e especialistas em busca de dividendos políticos para o grupo que apoiam.
Portanto, os fake data constituem pior problema para a democracia do que as fake news. Com eles, é possível montar um programa de governo fantasioso, dizer que não há déficit na Previdência ou que o desemprego aumentou depois da Reforma Trabalhista, com os argumentos escritos e reverberados por uma elite intelectual desonesta, que toma proveito do desconhecimento de parcela majoritária da população sobre temas mais técnicos, como economia e orçamento público.
As eleições ainda nem começaram e a produção de fake data segue a todo vapor, sem que o TSE ou alguma instância da burocracia estatal se preocupe em formas de combatê-los. Desta forma, é alto o risco de lidarmos com um novo estelionato eleitoral, com consequências gravíssimas para a economia e institucionalidade do país.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.co