O reconhecimento de que a guerra contra o tráfico, que nunca foi ganha, mas camuflava um empate técnico, foi perdida de vez no Rio de Janeiro, vem com a ordem da cúpula interventora da PM de extinguir a Unidade de Polícia Pacificadora, a “salvadora” UPP, da Rocinha, a maior comunidade do Rio, e instalar um batalhão na comunidade. É uma volta ao passado. E o reconhecimento de que tem faltado saídas. A decisão tem como âncora um estudo elaborado por uma comissão de oficiais do Estado Maior da corporação. Concluíram o que todos já sabiam: que a UPP da favela não consegue mais atingir seu principal objetivo, ou seja, fazer patrulhamento com o apoio de moradores. Policiais da UPP mal circulam em metade da área da Rocinha. Talvez nunca tenham circulado. A palavra de ordem no Rio, na relação entre polícia e traficantes, nunca foi combater, mas arreglar. A extinção da unidade é só o primeiro passo – pelo menos o mais simbólico – para o enterro do programa de pacificação, agora sob o comando do secretário interventor, general Richard Nunes. No contexto atual, ou se rediscute a proibição do uso de drogas, o que parece longe da cabeça daqueles que hoje ditam a política de segurança, ou se parte de vez para a guerra. Infelizmente, num estado remilitarizado, estamos mais perto do confronto do que da discussão sobre a relação entre a criminalização das drogas e a violência urbana.
É curioso que um dos poucos líderes políticos, um ex-presidente, a admitir o debate, seja um conservador, o tucano Fernando Henrique Cardoso, que há algum tempo empunhou a bandeira da descriminalização do consumo de drogas no Brasil – e faz bom marketing disso. Por outro lado, Lula, que nesta segunda, 19, em sua caravana, agora pelo sul do país, montou um encontro público com José “Pepe” Mujica, nunca assumiu uma posição forte sobre o tema – embora já tenha se declarado a favor da descriminalização. O ex-presidente do Uruguai foi justamente quem conseguiu a proeza de descriminalizar as drogas em seu país, num reconhecimento de que a guerra ao narcotráfico só tem perdedores. A guerra às drogas fracassou e a política brasileira de combate à venda e ao consumo de entorpecentes traz como resultado apenas vidas destruídas, como lembrou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em artigo publicado pelo jornal inglês The Guardian. Recentemente, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou ter pedido à ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, para pautar a retomada do julgamento do julgamento que trata da descriminalização de usuários de drogas. O processo está interrompido há mais de dois anos, por pedido de vista do falecido ministro Teori Zavascki. Alexandre de Moraes “herdou” o voto, mas precisa se pronunciar. Aí fica difícil.
Mas mesmo o debate sobre a descriminalização, que já seria uma tremendo avanço neste país, só foca o consumo. Só o usuário deixaria de ser preso e é isso o que está em pauta no STF. A descriminalização é relevante, especialmente para garantir o direito à saúde dos usuários de drogas. Mas, para tirar pessoas das prisões e diminuir o poder das organizações criminosas, seria necessário discutir a legalização, e o Brasil está muito longe desse debate. A saúde pública arca com os danos do cigarro, do álcool e das demais drogas, mas não é a proibição ou a descriminalização que vai diminuir isso, mas a educação, a orientação e o fim da hipocrisia, que a proibição favorece e fortalece. Se levarmos em consideração que sempre vai haver drogas no mundo, o que o estado faz hoje é “subsidiar” as organizações criminosas, com a proibição da venda e do consumo.