Michel Temer parece estar condenado a chegar, aos trancos e barrancos, ao final de seu mandato-tampão, conseguido Deus e o Diabo sabem como, mas seu custo tem sido se inscrever entre os mais desmoralizados e fracos chefes de Governo em pleno exercício do mandato. Incluindo aí os rasos índices de popularidade e a reencarnação do “Fator Militar”, abrindo as portas da zumbilândia fardada com uma intervenção sem pé, nem cabeça, no Rio. Além de ver sua figura pública igualada pela população a um “vampirão” – e não estamos falando aqui do charme de Bega Lugosi e Christopher Lee.
Depois de passar boa parte do mandato tendo que barganhar com o Congresso – para usar uma expressão levíssima – o veto às duas ações penais de Rodrigo Janot que poderiam ejeta-lo para fora do terceiro andar do Planalto, de, a cada dança de cadeiras, nomear ministros cada vez mais fisiológicos, e de tentar macular a Polícia Federal com uma suspeita troca de comando, Temer vai, como escreveu o cientista político Carlos Melo, em seu blog no UOL, perdendo de vez a aura de “exímio equilibrista” que lhe era atribuída para explicar sua sobrevida. “Sem manobras e sem perspectiva de continuidade no poder, haverá inevitavelmente um amanhã” para Temer, lembrou Melo, sem blindagem, sem mandato e sem foro especial.
A quebra de sigilo de um presidente da República por determinação judicial em pleno mandato é inédita no Brasil. E foi o agrado que lhe fez o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, que quer saber a movimentação bancária de Temer por nada menos que quatro anos e meio, mais de 1.200 dias- o período de 1º de janeiro de 2013 a 30 de junho de 2017, boa parte, portanto, antes de assumir a Presidência. Não é pouco para fazer um belo estrago num país onde os políticos vivem muito acima de seus ganhos e posses. A não ser que Temer seja exceção.
Barroso é o relator do inquérito que investiga o suposto pagamento de propina na edição, por Temer, do decreto que alterou as regras do setor portuário. Para assessores do governo, Temer foi transformado em “vítima de ativismo judicial”. A irritação do governo começou já com o pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para incluir Temer nas investigações que apuram o repasse de R$ 10 milhões para o PMDB pela Odebrecht. O STF atendeu ao pedido.
Oficialmente, a Secretaria de Comunicação Social divulgou nota informando que o presidente dará à imprensa (!) “total acesso” às informações do extrato bancário dele. No mundo político, o Planalto escalou o zagueiro Carlos Marun para dar uma canelada em Barroso. “Mais do que irritação, (o sentimento) é (de) indignação”, corou o ministro da Secretaria de Governo, uma dessas peças inventadas pela atual administração.
Marun não foi perguntado, mas não deve considerar “ativismo judicial” o fato de Temer ter escolhido a advogada Samantha Ribeiro Meyer para ocupar, até maio de 2020, uma poltrona no Conselho de Administração da estatal binacional Itaipu. Coisa fina, os jetons na estatal (pagamentos mensais a conselheiros) são de 27.000 reais. Samantha é ex-mulher de Gilmar Mendes. O assento de Itaipu é cobiçado em todos os governos. Nas administrações petistas, um personagem controverso tinha assento cativo no conselho da estatal: João Vaccari Neto.
Exercício de memória: Gilmar Mendes foi quem concedeu prazo extra à Polícia Federal para concluir as investigações sobre o envolvimento do senador Aécio Neves em supostas irregularidades em Furnas, subsidiária da Eletrobras em Minas Gerais. Aécio é suspeito de ter recebido propinas, por intermédio do ex-diretor de Furnas, Dimas Toledo, a partir de dinheiro desviado em contratos com empresas terceirizadas. Pesa sobre o senador tucano a suspeita de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Enquanto isso, o ex-diretor-geral da PF que foi afastado depois de insistir, como Marun, que o processo dos Portos não ia dar em nada, anda tendo dificuldades de gozar sua promoção. O ministério das Relações Exteriores informou que a nomeação de Fernando Segóvia como adido na Itália seguiu um rito anômalo. Geralmente, o processo de nomeação para o cargo de adido em Roma dura meses, mas foi encurtado para dois dias. Além disso, a nomeação de Segovia desrespeitou regras internas da PF, segundo as quais ele só poderia assumir como adido na Itália em 2020. Itamaratecas da velha escola, que resistem a Serra, Aloysio Nunes, e ao Itamaraty made in America, dizem que houve açodamento e pressa do presidente Michel Temer na escolha. Por que será?
“Parece que muitos insistem em lançar flechas contra nós”, lamentou Marun. Flechas, não, Marun. Estacas.