O tratamento animalesco, arbitrário, sádico e ilegal dado ao criminoso Sérgio Cabral pela PF na sua transferência para Curitiba terá consequências. Foi de tal forma estarrecedora, independente do naipe do criminoso, que a operação, conduzida por policiais em toucas ninja, provocou reações até de quem sabe que o político fluminense merece uma cana longa. A defesa de Cabral vai entrar essa semana com notícia criminal contra o juiz Sérgio Moro e contra Fernando Segóvia, diretor-geral da PF. Vai alegar que Cabral “foi conduzido e exibido de forma desumana” – pés e mãos algemados, e usando um cinto que prendia seus pulsos, para que sequer levantasse os braços. Telejornais, sites e portais de notícia, mais capas do Globo, Folha e Estadão de sábado, 20/01, viralizaram a imagem. Foi mais um ponto de alerta do que estamos nos tornando. Uma ditadura judicial.
A medida não tem paralelo nem em outras transferências de presos da Lava-Jato. A tal ponto que a própria força-tarefa no Rio, que nada teve a ver com esse espetáculo midiático deprimente, decidiu apurar quem foram os responsáveis pela extravagante decisão. Cabral é a Geni da política fluminense. O que não significa que possam confiná-lo num zepelim ou atirar-lhe merda. O país mal se equilibra hoje numa definição rigorosa de democracia e atos como esse humilham a todos os brasileiros, especialmente os que não precisam ter medo de ser presos. Por que sabem, nas suas consciências, que isso está errado. E que a Lava-Jato, mais do que o Mensalão, aproveitou os holofotes e a consternação geral com a política, para fundar uma Justiça marginal, onde o devido processo legal, o direito de defesa, a presunção da inocência e o ônus da prova se tornaram conceitos flexíveis. Agora, se você é uma cheerleader do time que grita incentivos para a loucura generalizada, e ri sadicamente de cenas como Cabral acorrentado, atire-se no precipício de sua irresponsabilidade. E torça para não ser a próxima vítima.
Há trincheiras de defesa da sanidade. A ONG IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), criada pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, se diz estarrecida. O advogado Fábio Tofic Simantob acredita que “o que houve foi o constrangimento pelo constrangimento”. “É uma forma de colocar o réu contra a opinião pública, porque as pessoas sentem maior asco, afinal, a algema despersonaliza o sujeito”, explicou. A ideia central aqui é que não se combate crime cometendo crimes, como lembrou Claudio Lamachia, presidente do Conselho Federal da OAB. Advogados e professores consultados pelo ConJur lembraram da Súmula Vinculante 11 do Supremo. Ela determina que “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito”. A PF informou que seguiu rigorosamente “todos os parâmetros legais” no procedimento de condução de Cabral.
“Qual é o sentido de um homem que foi governador, que responde por crimes que não envolvem violência contra a pessoa, não apenas ser algemado nas mãos e nos pés, mas, pior do que isso, ser exibido, ser fotografado como um animal?”, questiona o advogado Alberto Zacharias Toron, para quem a situação ofende, claramente, a dignidade do político. “A imagem é chocante e ofende os valores humanitários. Causa repulsa”, acrescentou o criminalista José Roberto Batochio.
Num país sério, o tratamento dado ao ex-governador deveria derrubar o diretor-geral Fernando Segovia. No mínimo. Num país sério, Cabral estaria cumprindo cana, como está, sem privilégios, como não estava, mas não poderia nunca ser transferido como um Hannibal Lecter nacional. Os ninjas da PF, assim, se igualam aos justiceiros de ocasião que acorrentam batedores de carteira no poste para serem linchados pelos transeuntes e pela opinião pública.