O acampamento mudou de lugar. Saiu da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, onde Lula passou seus últimos momentos de liberdade, e mudou-se para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde, por enquanto, o ex-presidente fica em uma uma cela “especial” de 15m², no 4º andar do prédio da PF. A janela tem grades. Um passeio por sites noticiosos mostra que a mídia trata o cubículo como um pequeno castelo, com o privilégio de ter banheiro e cama de solteiro. E, pasmem, uma TV, onde Lula poderá, se quiser, assistir ao jogo entre Corinthians e Palmeiras válido pela final do Campeonato Paulista. A partida será transmitida pela Globo no Paraná. Segundo a avaliação de funcionários da PF, o cômodo é rústico, mas digno. No mandado de prisão, Moro afirmou que, “em razão da dignidade do cargo ocupado”, foi preparada uma sala reservada, “espécie de Sala de Estado Maior”, na qual Lula ficará separado dos demais presos. Uma Sala de Estado Maior com 15m² é uma piada pronta.
Assim, a “Cidade da Lava Jato” vai ser agora também “a Capital da Resistência”, queira ou não a Polícia Federal e o Governo Beto Richa – o mesmo que, em recente matéria de capa da revista IstoÉ, mostrou as instalações do Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná, para onde supostamente Lula seria conduzido após a escala na PF local. Desde a noite de sábado, 07, após o anuncio de que Lula se apresentaria às autoridades da operação Lava Jato, na caótica prisão que hipnotizou o Brasil, apoiadores de Lula começaram a se reunir nos arredores do prédio do bairro de Santa Cândida, atendendo ao chamado da Frente Brasil Popular para a montagem de um acampamento. O prédio, curiosamente, tem uma placa com o nome das autoridades que o inauguraram em 2007, entre elas o então presidente Lula. Segundo a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, caravanas de outros estados brasileiros estão a caminho de Curitiba. “Só sairemos daqui quando Lula sair”, avisou. Esse prazo, ninguém arrisca.
Não serão dias fáceis, mesmo para os vizinhos que trocaram as panelas por fogos de artifício para comemorar a prisão de Lula. A PM isolou um perímetro de, aproximadamente, 100 metros, ou um quarteirão, para impedir a presença de manifestantes contra e a favor da prisão do ex-presidente Lula na frente dos portões da superintendência. O cordão de isolamento feito pela Polícia Militar do Paraná recebeu mais agentes. Cerca de dez viaturas da corporação paranaense estão de prontidão dentro do estacionamento da PF. Foi a tranca na porteira arrombada. Na noite de ontem, quando Lula chegava ao prédio de helicóptero, a polícia reagiu ao seu estilo, usando bombas de efeito moral e tiros de borracha para mantê-los afastados. Pelo menos oito pessoas ficaram feridas, inclusive três crianças. Sim, crianças. A polícia não informou o estado de saúde dos feridos, todos contrários à prisão de Lula. A PM diz que as primeiras bombas contra manifestantes partiram da Polícia Federal. A PF diz que…não vai se manifestar. Repórteres presentes contaram não ter presenciado qualquer ato dos manifestantes que justificasse a medida repressiva. Talvez tenha sido possível para Lula ver da janela do helicóptero que o conduzia a seu destino final sua militância ser massacrada.
Não foi o único recado passado pela PF para o ex-presidente, nesses momentos em que, como sabemos, todo facho de luz é um holofote. O avião que levou Lula para Curitiba, um monomotor, era de um modelo bem mais simples que os demais utilizados para transportar presos da Lava Jato. A Polícia Federal disse que esse modelo era o único disponível na ocasião. O ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-ministro Antonio Palocci, por exemplo, voaram no jato Embraer ERJ 145, para o início do cumprimento de suas penas. Já o casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura embarcou num modelo bimotor, o Beechcraft King Air. Uma aula de semiótica aeronáutica da PF.
A história contará de alguma forma o que hoje apenas vislumbramos nesse capítulo dramático da vida nacional. Ela poderá falar da limpeza ética da Lava Jato, elevar Moro e Dallagnol ao panteão de heróis nacionais, entronar a “República de Curitiba” que derrubou parte do establishment político – até agora, PT e parcela do PMDB – e botou na cadeia, a seis meses das eleições, o candidato favorito a ser, pela terceira vez, presidente do país. Ou poderá narrar a prisão de Lula como parte de um roteiro traçado meticulosamente por grupos políticos alijados do poder e sem perspectiva de voltar pela via democrática, aliados à elite policial, ao Ministério Público evangelizador, aos grandes grupos de comunicação e, claro, ao Judiciário, com tudo. Uma ofensiva que teve início com a prisão de José Dirceu. O ponto de virada com a derrubada de Dilma. E a prisão do ex-presidente como o prato principal. A história costuma ser contada pelos vencedores, portanto, por hora, vale a primeira versão.
Temer? Participou participou de um Simpósio Nacional de Varejo e Shopping, em Foz do Iguaçu. No discurso, criticou quem defende priorizar “aspirações populares” em vez de “cumprir a ordem jurídica”. Temer não comentou a prisão de Lula. Mas estava de ótimo humor. No acampamento em Curitiba, Ana Cañas deu um show à capela cantando Elis.