“Como pode um peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia?”
Trecho de “Peixe vivo”, de Milton Nascimento – música favorita de JK.
Lula está preso. Dilma vive seu desterro. Temer desgoverna. O país vive as vésperas de uma eleição presidencial onde o eleitor está entre a entre a cruz e a caldeirinha – algo que sugere a imagem entre padecer ou sobreviver com extrema dificuldade. A inquisição sabia das coisas. E, pela terceira vez, Cármen Lúcia Antunes Rocha, a sacerdotisa, a pitonisa, a profetisa da Corte Suprema, sem um voto sequer na carteira, a não ser a indicação do ex-presidente preso, que a colocou a Corte em 2006, assume o Planalto. A mineira de Montes Claros é um dos sete magistrados escolhidos por Dilma Rousseff e por Lula para a Suprema Corte e que ainda permanecem nos cargos, seis deles votando sistematicamente contra Lula – Carminha, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Como disse ao Divergentes o jurista Eugênio Aragão, a falta de um “processo racional de escolha desses ministros do Supremo” levou os petistas a formar uma Corte de deslumbrados com a mídia e comprometidos apenas com suas vaidades e os áulicos que os acalentaram.
Carminha, que assume a Presidência da República nesta terça-feira, 17, é o produto de um poder que perdeu suas escamas. Um país em vibrio angularis – mal comum aos peixes tropicais nas últimas. As escamas caem em todo o dorso, os movimentos ficam cada vez mais lentos, a respiração acelera, depois vem a paralisação da cauda. Um horror. O peixe fica na superfície, boiando, perdendo a noção de fuga. Morre a esmo. Água contaminada, dizem. É uma cena triste de se ver.
Cármen Lúcia já pode pedir música no Fantástico. Talvez peça, esperançosa, “Peixe vivo”, de Milton Nascimento. Música favorita de JK, talvez por isso escolhida para ser tocada em seu enterro. Carminha não ficará no Planalto por nenhum mérito, mas pela missão/omissão dos homens que a antecedem na linha sucessória – Michel Temer e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE). Temer embarca na manhã desta terça para Cabo Verde, onde participará da 12ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com previsão de retornar ao Brasil na quarta (18). Não seria possível imaginar a CPLP sem Temer, o homem cujos cacoetes de linguagem remetem a um Jânio Quadros sem talento e sem carisma.
Como atualmente o Brasil não tem vice-presidente, Maia e Eunício, se permanecem no país, são os primeiros a suceder Temer em caso de viagem internacional do presidente. Por isso,desde abril, quando Temer decide ir ao exterior, passa a mão no telefone e avisa aos dois: vazem. Maia e Eunício programam agendas rapidamente no exterior. Os dois viajam para evitar o risco de serem impedidos de disputar as eleições. Se Maia ou Eunício ficarem no exercício da Presidência da República por algum período nos seis meses anteriores à eleição, eles só poderiam concorrer à Presidência. Ou seja, não poderiam disputar outros cargos em outubro. Seria terrível pensar em uma eleição sem Maia ou Eunício nas cédulas.
Ah, e por favor, não chamem Cármen de presidenta – como Dilma preferia. Ela simplesmente detesta. Cármen Lúcia deixou claro desde o começo que é presidente. Ela é a terceira mulher a ocupar o cargo – duas delas sem votos. Ellen Gracie presidiu a Corte entre 2006 e 2008.
De acordo com o STF, enquanto Cármen Lúcia estiver na Presidência da República, o plantão do STF, que se encontra no recesso de meio de ano, ficará sob responsabilidade do ministro Celso de Mello, decano (mais antigo) do tribunal. O vice-presidente do STF, Dias Toffoli, ficaria no plantão, mas ele está no exterior. Muito conveniente nesses tempos de plantonistas. Em abril, Cármen Lúcia despachou do Palácio do Planalto com as viagens de Temer ao Peru, de Maia ao Panamá e de Eunício ao Japão. Em junho, ela assumiu a Presidência porque Temer foi ao Paraguai, Maia a Portugal e Eunício à Argentina.
Dessa vez, Cármen parece mais saidinha. Conseguiu virar manchete na mídia tradicional antes mesmo de Temer subir a escadinha do novo Sucatão na Base Aérea. Na manhã desta segunda-feira, 16, a danada tomou uma medida pra lá de popular. De fazer corar mandatário eleito. Mandou suspender resolução da Agência Nacional de Saúde (ANS) com novas regras para a cobrança de coparticipação e de franquia em planos de saúde. A ANS publicou no fim de junho uma decisão com novas regras para cobrança de coparticipação e de franquia em planos de saúde. Segundo a resolução normativa nº 433, os pacientes deverão pagar até 40% no caso de haver cobrança de coparticipação em cima do valor de cada procedimento realizado. Cármen Lúcia decidiu suspender a validade das novas regras durante o plantão do Judiciário. A decisão ainda deverá ser analisada pelo relator da ação, ministro Celso de Mello, e depois deve ser validada ou derrubada pelo plenário do STF. ““Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados”, escreveu a ministra na decisão. Que candidata ela seria…