“No Julgamento Final, quando chegar perante Deus, e ele me perguntar o que você fez lá, naquele mundo terrestre, vou tomar uns dois meses contando o que eu fiz. Aí ele vai dizer: Maluf, seus pecados são pequenininhos. Fica uns dez minutos no purgatório e depois vai pro céu.”
Paulo Maluf
A geração pós-Lava Jato, acostumada à fartura de prisões de políticos, doleiros, marqueteiros e empresários, talvez estranhe um certo frisson de velhos homens da imprensa em torno de uma ordem de prisão estalando de nova contra um certo deputado federal do PP paulista. Na noite desta terça, 19, o ministro Edson Fachin determinou “cumprimento imediato” da pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão, inicialmente em regime fechado, e perda do mandato, do deputado Paulo Maluf. Acusado pelo Ministério Público Federal de usar contas no exterior para lavar dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo, quando foi prefeito, entre 1993 e 1996, “Doutor Paulo” foi condenado em maio deste ano por lavagem de dinheiro, recorreu e perdeu. Em se tratando do velho Maluf, tudo pode acontecer – inclusive, nada.
O fim da carreira de Paulo Salim Maluf, uma espécie de dinossauro político da era pré-delação premiada, pré-tornozeleira eletrônica, pré-tudo, já foi decretado diversas vezes. Sua longevidade frustrou a todos. A última vez que o mataram politicamente foi em 2013, condenado pelo TJ de São Paulo por improbidade administrativa em superfaturamento nas obras do túnel Ayrton Senna, uma de suas últimas “obras faraônicas”, marca registrada do administrador do lema “rouba, mas faz”. Maluf ficou onde estava. Com mandato intacto, implante escovado, óculos de fundo de garrafa e o largo sorriso a la Silvio Santos.
São 86 anos de serviços prestados por esse filho de pais de origem libanesa, atualmente em seu quarto mandato como deputado federal, depois de ter sido governador (1979-1982) além de duas vezes prefeito de São Paulo (1969-1971, como alcaide biônico nomeado pelo governador Abreu Sodré; e 1993-1996). Ex-Arena, ex-PDS, ex-quase tudo de centro-direita e fisiológico que esse país produziu, Maluf fez escola servindo aos regimes militares, inclusive como candidato contra Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, a última eleição indireta dos estertores da ditadura.
Preso, preso, Maluf esteve por apenas 30 dias, em 2005, junto com seu filho Flávio, na PF em São Paulo, acusados de formação de quadrilha, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Nada parecido com essas prisões intermináveis dos dias de hoje. Em outubro do ano passado, ao prestar depoimento na ação em que é acusado de ter praticado caixa dois nas eleições de 2010, usando sua empresa Eucatex, Maluf usou uma das frases lapidares que constrói para debochar da política. Perguntado se já havia sido preso, saiu-se com essa: “Não fui preso, fui solto”. Até o fechamento desta reportagem, Maluf não havia sido preso de novo. Bolsas de aposta já se formam para saber se Maluf escapa, mais uma vez, de ficar atrás das grades.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que ainda não foi notificado da decisão sobre Maluf e que, somente depois disso, reunirá a assessoria jurídica da Casa para definir quais serão os procedimentos. A senha está dada para que o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, tire algo da cartola – não necessariamente um coelho. Maluf é alvo de denúncias pelo menos desde a década de 70, como uma folclórica ação popular da qual foi alvo quando resolveu presentear com um fusca cada um dos jogadores da seleção brasileira campeã da Copa do Mundo daquele ano. Ele acabou absolvido décadas mais tarde. Maluf é assim mesmo, um sobrevivente, filhote da ditadura, da lama, de um país que, com essa classe política, não podia mesmo dar certo.