O inglês Sacha Baron Cohen já pariu diversos personagens cavernosos e, mesmo sem conhecer nossa realidade, ou assistir palestras no Clube do Exército, inventou há alguns anos o “almirante general” Aladeen, protagonista do filme “O Ditador”, uma piada mirando bobos mais notórios no planeta, mas que se adapta a qualquer candidato a déspota não esclarecido que viva num mundo paralelo de armas, medalhas e continências. Quem se der ao trabalho, e tiver estômago, para furar a bolha ideológica em que muitos de nós vivemos nas redes sociais, aquela que, segundo analistas, nos cercam de pessoas que só leem e vêem coisas que reforçam nossas próprias convicções, poderá navegar pelo Facebook do deputado-capitão Bolsonaro. É uma tarefa insalubre, mas necessária. Poucas coisas, além da gaveta de cuecas e aqueles momentos solitários no chuveiro, são tão reveladoras sobre um homem hoje quanto seu perfil numa rede social.
O perfil de Jair Messias Bolsonaro está beirando os 5 milhões de seguidores, inclusive 12 amigos meus, que devem ter suas razões para isso – mas isso a gente acerta depois. “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” é a frase-mantra, dentro de uma tarja verde e amarela – bem Collor de Mello -, em meio a um alvorecer sépia visto de uma varanda de um flat. Dentro, de perfil, em p&b (por que em p&b?), emerge um Bolsonaro com uniforme de parlamentar – blusa social branca e gravata básica, mirando o infinito. Poderia ser um pastor. Poderia ser um missionário mórmon com uma bíblia embaixo do braço. Poderia ser um vendedor de enciclopédias – espera, não existem mais vendedores de enciclopédias.
Na média, os vídeos são toscos. Não ingênuos. Toscos mesmos. Mas tem bastante visualização. Muito mais do que curtida. Não sou especialista, mas suponho que isso signifique curiosidade, mais do que adesão. Há vídeos do próprio Bolsonaro, vídeos de fãs – algumas beirando a psicopatia, mas não tenho licença psiquiátrica para garantir -, e vídeos dos filhos, especialmente Eduardo e Flávio. Um certo Nando Moura, em vídeo gravado num quarto de cortinas fechadas – estaria ele no Brasil? -, critica Cuba, “país massacrado por uma família de psicopatas, os Castro”, Venezuela e Coréia do Norte. Ele recomenda um filme dirigido por Angelina Jolie. Não vou recomendar junto. 11 mil curtidas.
O tema militar, a homofobia, o anti-comunismo, o anti-socialismo, o ódio a Lula e aos petistas, uma certa tara mal explicada na deputada Maria do Rosário, ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, estão sempre presentes. O número de pessoas nos eventos filmados é sempre menor que seu ruído. Se somarmos todos, Bolsonaro não se elege síndico nem em um grande condomínio na Barra da Tijuca.
De repente, Bolsonaro, de camiseta e bermuda, discursa pra um grupo de bombeiros salva-vidas do Rio. Ele repete o discurso de identificação milico, reconhece o “trabalho humanitário” dos bombeiros. Uma única câmera passeia entre o candidato e a platéia, não mais do que 20 pessoas. Homens com e sem camisa assistem aparentando interesse. Nenhuma mulher. “Se for salvar a quantidade de vidas que vocês salvaram, ultrapassa milhares”, exagera ele. Os comentários no post fogem do tema. “Eu acho que o Bolsonaro quando se eleger presidente deveria fechar o Congresso e fazer uma nova República com laços fortíssimos com os EUA e os militares ao seu favor e a favor do povo brasileiro.” Diversas ofensas contra a deputada Maria do Rosário – aparentemente o anticristo dos bolsominions -, aquela para quem ele disse que não merecia ser estuprada por ser ‘muito feia’. 5 mil curtidas.
O vídeo seguinte é dedicado a ela, Maria do Rosário. Bolsonaro, sentado, aparentemente em casa, debocha de Maria do Rosário, que teve o carro roubado em Porto Alegre. “Ela não merecia ser assaltada”, ironiza o colega de Congresso, fazendo um paralelo com a declaração que deu sobre estupro. Um seguidor se preocupa. “Acho que Bolsonaro deveria ficar quieto, porque essa petesada não vale nada, daqui a pouco conseguem distorcer alguma coisa que ele disse”, recomenda. 11 mil curtidas e algumas propostas de casamento.
“Faremos uma campanha falando a verdade. Se o brasileiro não estiver pronto para isso, tudo bem, nós vamos perder”, começa Bolsonaro em outro vídeo. “Eu não vou ficar broxa para agradar eleitor”, avisa ele, sem explicar de onde o tema impotência surgiu. “Coitado do gay, coitado do afro-descendente, coitada da mulher, coitado do nordestino, coitado do encarcerado, todo mundo é coitado no Brasil”, ironiza. Não, o discurso não ganha lógica, nem contexto. “O Brasil precisa de um cavalo de pau, pô. Vou fazer a minha parte. E os covardes que se preparem, vão marchar junto com a boiada pro abatedouro. Direitos humanos, rosquinha pra vocês”. Entendeu? 6 mil curtidas. Destaque para o uso da expressão afro-descendente. Nem tudo está perdido.
Outro vídeo. A produção de Bolsonaro vai à praia de São Conrado atrás de duas “pessoas humildes” que acharam na praia uma carteira com 10 mil reais e documentos de um turista argentino. Bolsonaro diz que ouviu falar que eles são simpáticos à sua causa e tenta fazer parecer que os bons samaritanos são seus partidários. Praticamente só o deputado fala. Corte. Eles voltam. “É uma pessoa simpática à nossa causa, não quer dizer que seja um grande admirador meu”… pô, produção. Nenhuma declaração de voto. “Meu futuro presidente, me fala um dia no fim de semana que estará pela Barra da Tijuca. Quero muito tirar uma foto pra oprimir meus colegas esquerdistas”, comenta um sujeito em um post. 20 mil curtidas.
Salto para Santa Quitéria, Ceará. O apresentador roda a câmera e mostra o que deveria ser uma multidão. Contei, com boa vontade, 50 pessoas. Alguns vestem camisas de campanha. E gritam o nome de Heitor Freire, líder do “Movimento Direita Ceará”. Não deve ser fácil ser direita no Ceará. 8 mil curtidas. Dali para Itambé e Pedras de Fogo, na Paraíba, onde um grupo de apoiadores – não mais do que 50, quase todos homens -, com a clássica camiseta preta com seu rosto estampado – me desculpem os apoiadores, mas sempre dá vontade de desenhar um bigodinho fino -, ergue um outdoor de apoio a sua candidatura. É um ato espontâneo, não há armação. Bolsonaro tem vinte anos menos na foto e veste uma faixa presidencial. Alguém toca o hino nacional. Aparece, claro, alguém vestindo a camisa amarelinha da seleção. 10 mil curtidas.
Volta para o Congresso. Um repórter propõe um pinga-fogo com “os temas mais polêmicos”. Bolsonaro sorri sem graça, claramente sem saco. Melhores momentos. “Não existe praticamente isso (homofobia) no Brasil.” “O Estatuto do Desarmamento desarmou o cidadão de bem.” “A bandidagem continua melhor e mais armada.” Mais do mesmo, mas Bolsonaro estava contido. Parecia até bem assessorado. 50 mil curtidas.
Por hoje, deu. Meu estômago dói. Esse Brasil existe. E vai ter que ser encarado.