“Estão ensaiando uma valsa na beira do abismo”.
Ciro Gomes, ao saber do acordo entre PT e PSB
Quando a história puder finalmente ser contada, o primeiro dia de agosto ficará marcado como um daqueles momentos cruciais da sucessão presidencial de 2018. O acordo entre PT e PSB, que montaram alianças em dois estados estratégicos – Pernambuco e Minas Gerais – contrariando as militâncias locais -, e a reação indignada de Ciro Gomes, ao vivo, numa sabatina na Globo, levou especialistas a baterem cabeça. Parte da turma dedicada a decifrar o indecifrável – a cabeça de Lula – viu um golpe de mestre, mesmo ao custo da antipatia inicial de uma intervenção, vitimizando especialmente a neopetista Marília Arraes, candidata ao governo de Pernambuco. Esse movimento calculado da cúpula do PT, que até então só parecia focada em defender o Lula Livre, se der certo, pode evitar que a direita ganhe, mesmo sem Lula no palanque. Por essa lógica, o PT ignorou Jair Bolsonaro como adversário – o oposto do que faz o capitão com o PT – e dedicou-se implodir o aliado mais provável, Ciro, desidratando-o a ponto de, como espera o partido, tira-lo do segundo turno para colocar um “nome de Lula” para brigar com o outro sobrevivente.
Se a neutralidade do PSB dinamitar a pretensão presidencial do pedetista Ciro Gomes, e Bolsonaro e Marina forem engolidos pela campanha – e pela falta de tempo na TV e de companheiros nos palanques regionais -, o segundo turno se daria entre Alckmin, apoiado pela coligação reptiliana chamada Centrão, e o “nome de Lula”. Quem? Alguém que conheceremos nos próximos dias. Alternativa um, um nome sacado do colete quando Lula finalmente, e teatralmente, abandonar a campanha e indicar seu sucessor, antecipando-se ao conluio da Justiça, com STF, com TSE com tudo. Fernando Haddad é a aposta mais forte para essa vaga hoje. Mas podemos ter uma surpresa. Alternativa dois, a candidatura de Lula é finalmente impugnada, destino que hoje parece quase certo, mas sua chapa já estaria inscrita.
Seu vice, ou sua vice, assumiria como “candidato de Lula”. A coluna Painel, da Folha, publicou que Ciro foi sondado – numa conversa na terça, 31/07, entre Gleisi Hoffmann e Carlos Lupi -, mas recusou. Especula-se agora que a vice da vez seria Manuela D’Ávila, do PCdoB, cuja candidatura foi oficializada. Perguntada sobre a hipótese, em discurso durante a convenção, Manuela lembrou que sempre defendeu a unidade dos candidatos de esquerda. É bom lembrar que os acordos entre PSB e PT interessam, localmente, também ao PCdoB.
Gleisi Hoffmann, ao sair de uma visita a Lula nesta quinta, 02, na Superintendência da PF em Curitiba – Chico Buarque e Martinho da Vila foram encontrar o ex-presidente -, não se esquivou de justificar a estratégia, defendendo o que chamou de “articulação de centro-esquerda”. Do jeito dela, e com a voz doce de sempre, justificou o sacrifício de Marília Arraes. “A estratégia do PT é arriscada, mas a maioria do partido acha que pode dar certo e luta para que Ciro perca terreno neste momento”, escreveu o analista Kennedy Alencar. Há, por outro lado, quem pense exatamente o contrário. Que Lula pode ter errado a mão, contrariado a militância, que finalmente se aglutinava fortemente após sua prisão, e terá contribuído para uma final entre duas pessoas de direita no segundo turno. “Quem mais perdeu com o acordo entre PT e PSB, que sacrificou a candidatura de Marília, não foi Ciro Gomes. (…) Foram Lula e o PT, que rifaram o futuro do partido”, opinou o sempre respeitável jornalista Ricardo Kotscho, no seu blog Balaio do Kotscho. O futuro dirá quem está certo, embora, sem dúvida, qualquer que seja esse futuro haverá desgastes para todos os lados. Não se sai de uma campanha dessas sem perdas.
Ciro talvez pudesse ter reagido com frieza ao ser informado de que levara uma rasteira do PT. E talvez pusesse repensar a proposta de Gleisi a Lupi. Mas aí não seria Ciro. Ao seu estilo – que, diga-se de passagem, agrada a muita gente que está disposta a votar em Lula como primeira opção -, Ciro queimou completamente – até as cinzas – uma possível aliança com Lula e a esquerda. Incinerou o PT. Na sabatina global, em um desses momentos, Ciro lembrou que era “senso comum” que Lula não será candidato e que o PT é “irresponsável” por “convidar o Brasil para dançar a beira do abismo”. O sangue, como se vê, subiu. Ciro, que diz ter sido “extremamente leal” a Lula, esperava ser o candidato escolhido. Não foi, nem será. “Trabalham juntos para me isolar: Temer, Alckmin e Lula”, acredita Ciro. Não é de todo verdade. Nem uma mentira deslavada.