Não existe platitude na política, pelo menos aos olhos da nossa esquemática e familiar mídia. Heróis e vilões só dependem da ocasião e do interesse certos para mudar de patamar. Não é o caso de Lula. Sempre foi vilão. Presidente ou presidiário, nunca deixou de ser desprezado pela mídia. No Planalto, foi tratado como um intruso no poder, um penetra na festa, alguém que estava no lugar errado. Como ousava esse ex-retirante nordestino trazer a pobreza para aeroportos, faculdades e restaurantes? Na cela de 15 metros quadrados, ainda enxergam-lhe mordomias, como ter um banheiro privativo – não podia defecar num buraco no chão? -, ou privilégios, como querer receber amigos como Frei Beto e o Nobel Esquivel. Na última semana, porém, percebemos um verdadeiro exorcismo ao contrário. Santo Aécio Neves, o administrador exemplar, o político inovador, o homem charmoso, encantador, blindado pela mídia – e não só pelo Estado de Minas – foi demonizado. Réu no Supremo pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de justiça e no alvo de novos depoimentos que o apontam como beneficiário de repasses ilícitos, o mineirinho foi rifado. Por seu partido, e pela mídia. Está sendo expulso do clube por seus pares, e por quem o blindou. Reagirá? Cairá calado?
Aécio Neves virou réu na Lava Jato na última semana. Vendido como bom moço, surge agora o Aécio que passou as últimas três décadas nas sombras, protegido pela irmã Andrea Neves, que comandou sua assessoria com mãos de ferro. Andrea cuidava de tudo – do pequeno jornal do interior ao Google. Mineiro que sou, conheci jornalistas que foram defenestrados por tentar romper o bloqueio. Alguns vão me ler aqui. Quem acha tudo isso uma ficção, que pense o que quiser. Presidente da Câmara dos Deputados, governador de Minas, candidato a Presidente, o neto de Tancredo bateu na trave nas eleições passadas. Dilma Rousseff foi reeleita com 51,64% dos votos válidos. Aécio Neves, do PSDB, teve 48,36%. Em números absolutos, Dilma somou 54,5 milhões de votos e Aécio, 51,041 milhões. Até aí, democracia. Perdeu, ganhou, levou. Mas Aécio e seu PSDB nunca aceitaram a derrota. O impeachment nasceu ali, não nas pedaladas fiscais. De certa forma, a Lava Jato se formou ali também. Ganhou seu inimigo supremo. Em discurso após ser reeleito presidente do PSDB, então no auge, Aécio Neves, em convenção do partido, deu a senha: Dilma Rousseff não concluiria seu mandato. Com o PMDB de Temer, de Cunha, de Renan, “com Supremo, com tudo”, como explicaria, em minúncias depois, Romero Jucá. A história cuidará disso.
A questão aqui, no entanto, é se Aécio cairá silenciosamente. É incrível admitir que aceite pacificamente o personagem criado e acalentado pela mídia, até recentemente, e a figura execrada hoje. Os boatos sobre Aécio viraram lenda urbana. O helicóptero pertencente à Limeira Agropecuária, de Gustavo Perrella, flagrado pela Polícia Federal com 445 kg de cocaína, virou fake news. Aécio recusar a fazer o teste do bafômetro e apresentar carteira de motorista vencida em blitz policial da Lei Seca, virou meme. O Globo, em sua edição on line, publicou a “reportagem” intitulada “Sete revelações sobre Aécio divulgadas após tucano virar réu no STF”, como se desse um furo retroativo. De resto, a mídia tenta transformar seu ex-ídolo em pária. Aécio réu realiza um sonho do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin: livrar-se o mais breve possível da companhia incômoda de Aécio, seu colega de partido, que teimava em sobreviver às conversas comprometedoras gravadas pelo empresário Joesley Batista, um dos donos do Grupo JBS. O Supremo fez por Alckmin o que nem ele e nem o PSDB tiveram coragem de fazer, como lembrou Noblat. Ao tornar Aécio réu, o Supremo tirou-o em definitivo do palanque de Alckmin em Minas Gerais como candidato outra vez ao Senado ou a deputado federal. Durma com tudo isso, Aécio.