“A cúpula do PT está numa viagem lisérgica. Com dor no coração, não espero mais nada do Partido dos Trabalhadores agora”.
Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência, 04/08
“Quem é você?”, disse a Lagarta.
Não era um começo de conversa muito estimulante. Alice respondeu um pouco tímida: “Eu… eu… no momento não sei, minha senhora… pelo menos sei quem eu era quando me levantei hoje de manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde então”.
“O que você quer dizer?”, disse a Lagarta ríspida. “Explique-se!”
“Acho que infelizmente não posso me explicar, minha senhora”, disse Alice, “porque já não sou eu, entende?”
“Não entendo”, disse a Lagarta.
“Receio não poder me expressar mais claramente”, respondeu Alice muito polida, “pois, para começo de conversa, não entendo a mim mesma. Ter muitos tamanhos num mesmo dia é muito confuso.”
Trecho da conversa entre Alice e Absolem, a lagarta fumando narguilé. Da fábula “Alice no País das Maravilhas”.
Ciro Gomes sonhou ser presidente. Sonhou tanto que caiu na doce ilusão de que, com Lula preso, era a sua hora de ocupar o Planalto pelo flanco esquerdo da miríade partidária. Suas declarações sempre dúbias sobre a legitimidade da prisão de Lula são a maior evidência disso. Em rádios do interior, prometia defender Lula “a bala”. Na sabatina da Globonews, há alguns dias, mostrou-se chocado com o aparelhamento da Petrobras pelo ex-presidente. Mas Lula insistiu na candidatura, e ela foi sacramentada neste sábado, 04/08, durante a convenção nacional do PT, na Liberdade, no Centro de São Paulo. A convenção do PT, a rigor, não acabou – o que só ocorrerá às doze badaladas da meia-noite deste domingo. Isso porque o PT cogita, diante da pressão da Justiça Eleitoral, que ameaça reinterpretar casuisticamente as leis, indicar logo o/a seu/sua vice. Esse vice poderia ser Ciro – e o convite foi feito pelo menos duas vezes. Não será.
Ciro só aceitaria a cortesia se, na quase certa impugnação de Lula, fosse catapultado a cabeça de chapa. Isso nunca esteve nos planos do PT, que não admite perder a hegemonia da esquerda, especialmente depois de ter uma presidente derrubada e um potencial presidente preso para não concorrer. Ciro, então, saiu atirando. Despejou impropérios contra a cúpula petista, que acusou de “dançar à beira do abismo” e, agora, de ter entrado numa “viagem lisérgica”. Ou seja, suicidas tomando chá de cogumelo. Se roleta russa houve, Ciro foi um dos que, sabendo que só havia uma bala no tambor, girou o revólver.
Ciro diz que “não há a menor chance, nenhuma chance, nem a mais remota chance de desertar da tarefa” de ser candidato à Presidência. Compreende-se sua ambição. É a mesma do PT. Mas, no cabo de guerra, queimou os dedos. Ainda sem alianças para compor sua chapa, o candidato disse que “estão acontecendo transações tenebrosas, dando rasteiras daqui, de lá”. Ciro, em resumo, não está sabendo perder.
No funil do segundo turno, sem Lula, dizem analistas, cabe um nome de centro-esquerda. E o PT não abrirá mão de estar lá. Na prática, Lula teve formalizada sua sexta candidatura presidencial. As chances eram de que, como previsto inicialmente, Manuela D’Ávila fosse indicada para vice de Lula. Ou neste sábado, ou até dia 15, prazo limite do registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Mas isso dependerá de uma decisão da Executiva nacional do PCdoB, que virava a noite – até o momento em que este texto foi escrito – para decidir se segue com a candidatura própria, com o PT ou – chance vista hoje com remota- com Ciro Gomes, que flertou com a candidata, contando com alguma vulnerabilidade diante da demora petista.
Se Lula for impugnado, e isso hoje parece mais claro, Manuela seguiria como vice, e assumiria um nome do PT. Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, nesta ordem, são os nomes mais cotados. Mas tudo é possível. Primeiro colocado nas pesquisas, Lula pode ser declarado inelegível pelo Supremo Tribunal Federal já na próxima semana.
Participaram do evento lideranças do PT, como a ex-presidente Dilma Rousseff, o candidato ao governo de São Paulo pelo partido, Luiz Marinho, o ex-ministro Celso Amorim, e o senador Lindbergh Farias, entre outros. Em um momento da convenção, todas as pessoas presentes colocaram uma máscara com o rosto do ex-presidente Lula e gritaram em coro: “Eu sou Lula”.
Em carta lida pelo ator Sérgio Mamberti, Lula, que está preso há 120 dias, disse que é a primeira vez em 38 anos que não participa de uma convenção nacional do partido. “Mas sei que estou presente em cada um de vocês”, disse. “Nós tratamos a nossa gente como solução e por isso o Brasil mudou. Hoje a nossa democracia está ameaçada. Agora querem fazer uma eleição presidencial de cartas marcadas. Excluir um nome que está à frente na preferência do eleitorado em todas as pesquisas. Já derrubaram uma presidenta eleita. Agora querem vetar o direito do povo de escolher livremente o próximo presidente”, diz trecho da carta. Lula, como se sabe, está preso desde o começo de abril, condenado em segunda instância no caso do triplex em Guarujá, a doze anos e um mês de prisão, o que, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, o tornaria inelegível.
A questão precisa ser decidida pelo TSE e só deve ser julgada depois do registro oficial, que ocorre até o dia 15 de agosto. O fim de semana que parece não acabar.
Veja os nomes confirmados pelos partidos para a disputa presidencial nas eleições de 2018, além de Lula, em ordem alfabética:
– Alvaro Dias (Podemos). O vice da chapa é o economista Paulo Rabello de Castro, do PSC, que desistiu de ter candidatura própria.
– Cabo Daciolo (Patriota).
– Ciro Gomes (PDT). O candidato a vice ainda não foi definido.
– Geraldo Alckmin (PSDB). A candidata a vice é a senadora de direita, Ana Amélia (PP). É apoiado pelo Centrão.
– Guilherme Boulos (PSOL). Nome certo para apoiar o candidato de esquerda no segundo turno.
– Henrique Meirelles (MDB). O ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto será o vice na chapa. Sem chances reais, a candidatura tem a tarefa de atrair a ira sobre o governo Temer e poupar a candidatura de Alckmin, como se o PSDB não tivesse sido parte do governo.
– Jair Bolsonaro (PSL). O candidato a vice ainda não foi definido. Todos os nomes cotados rejeitaram a consulta, inclusive a advogada Janaína Paschoal.
– João Amoêdo (Novo). Ele terá como candidato a vice o professor universitário Christian Lohbauer.
– José Maria Eymael (DC). Uma espécie de hors concours das eleições presidenciais, tem como candidato a vice-presidente o pastor Helvio Costa.
– Manuela D’Ávila (PCdoB). O candidato a vice ainda não foi definido. Mas, até que o domingo termine, ela ainda poderá ser vice de Lula.
– Marina Silva (Rede). O partido também confirmou Eduardo Jorge (PV) como candidato a vice.
– Vera Lúcia (PSTU). O professor Hertz Dias, da rede pública do Maranhão, foi anunciado como vice na chapa. Não haverá coligação no PSTU.