A jovem comunista, o general velhaco e as ruralistas divergentes

Vice não ganha eleição, mas ajuda a perder, dizem. No pleito mais esdrúxulo da história do país, Lula – ou, possivelmente Fernando Haddad, tirando a vantagem desproporcional do PT, mas mantendo sua frente rumo ao segundo turno, pela transferência de votos -, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin emergem como os favoritos para o filtro do provável segundo turno presidencial. Mas há que se olhar seus vices. E suas abissais diferenças, reveladoras do perfil de cada candidatura, de cada proposta para o país. Porque se os presidentes são ícones políticos que ofuscam, os vices são o retrato de seus óbvios desacordos ideológicos. A jovem comunista Manuela D’Ávila, do PCdoB, que em uma semana assumirá a vice de Lula/Haddad, o general de pijama Hamilton Mourão (PRTB), e as ruralistas divergentes Kátia Abreu (PDT) e Ana Amélia (PP), juntam-se no caleidoscópio político da campanha de 2018. Cada um no seu quadrado político.
General Hamilton Mourão, o vice de Bolsonaro

Começando pelo final, nada poderia ser mais diferente, curiosamente, do que as senadoras-ruralistas Kátia Abreu e Ana Amélia. Confirmada como candidata na chapa por Ciro Gomes, Kátia tem um passado ambíguo: atraiu a ira dos ambientalistas – como presidente da CNA, a Confederação Nacional da Agricultura, e ministra da Agricultura de Dilma Rousseff, quando foi chamada pelo Greenpeace de “Miss Desmatamento”. Mas, rara exceção entre os agropecuaristas, foi fiel a Dilma, futura senador por Minas, até o último minuto, enfrentando o PMDB fechado com Eduardo Cunha e Michel Temer, que demitiram a ex-presidente por “pedaladas fiscais”. Algo, hoje, como acusar Temer de possessão demoníaca por mudar a voz em discursos oficiais. Kátia reconheceu no fim de semana ao jornal Valor Econômico que a legenda aguardou até este domingo 5 em uma última tentativa de fazer novas alianças. Com o apoio solitário do PMN, o PDT confirmou seu nome. Kátia é, assim, o que sobrou para Ciro. Resta saber o que sobrará de Ciro, o lisérgico, que sonhou ser presidente.

Senadora Ana Amélia.

Ana Amélia é de outra extirpe. Já foi chamada pelo El País de “amuleto de Alckmin para atrair bolsonaristas”. Faz todo o sentido. Não por acaso, com o aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ela foi avalizada pelo PSDB, que desistiu de fortalecer o ex-governador no Nordeste, território petista – o que seria a lógica geopolítica-, e formalizar chapa com senadora sulista ultra-conservadora. Alckmin a chamou, usando um clichê marqueteiro, de “empoderamento” do PSDB. Alguns viriam um empobrecimento. O PSDB nunca esteve tão perto da extrema-direita do que com a chapa Chuchu-Relho. Amélia, a direitista de verdade, elogiou ataques violentos contra apoiadores do ex-presidente Lula na região Sul do país e, porque Gleisi Hoffmann, presidente do PT, deu uma entrevista à TV árabe Al Jazeera, disse que o PT se aliara ao Exército Islâmico. Se Kátia é a ruralista light, Amélia é a Miss Capitalismo Agrário. Que desmatem, exorcizem a reforma agrária, santifiquem os transgênicos, peguem empréstimos e deem calote aos bancos públicos. E viva a bancada ruralista!

Bolsonaro, por sua vez, escolheu o general Mourão – não pela patente, senão teriam que trocar de posição na chapa, mas por falta de opção. Chamar o Cabo Anselmo, o mais famoso agente duplo da ditadura civil-militar de 1964, não dava. A agenda dele de palestra não permitiria. Incapaz de costurar alianças, montou, assim, uma chapa pura-farda, ou puro-choque. Ambos defendem o golpe militar, idolatram torturadores, debocham dos direitos humanos, e imaginam o país como uma Miami em estado de sítio.
Se Mourão tiver o estômago que parece ter, vai aguentar Bolsonaro até o fim. Um capitão que o trata como soldado raso e diz que não pensou em vice para “ganhar voto”. Escolhido ao apagar das luzes, no último dia para definição das chapas, o general de reserva não é nem de longe o vice dos sonhos do capitão-deputado. Acabou sendo uma solução caseira para quem acena para a extrema-direita e para essa parcela pantanosa da população, que vestiu a amarelinha pelo golpe, e hoje bate continência pelo autoritarismo – traduzido, de forma mais suave, na defesa dos “valores da família” e no combate à corrupção. Em seu útimo post no Facebook, Bolsonaro colocou uma mulher tocando o hino nacional com harpa, tratada biblicamente como o elo de ligação entre o céu e a terra. Involuntariamente, Bolsonaro homenageou a União de Myanmar, antiga Birmânia, ditadura militar que tem a harpa como símbolo nacional.
Manuela d’Ávila. Foto Allan Torres/Facebook

Finalmente, Manuela D’Ávila será vice de Lula – ou de Haddad, se o ex-presidente, como se imagina, for impugnado. Lula, preso, montou da cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, a estratégia e a chapa que disputará a hegemonia da esquerda e a permanência do PT no poder – após o catastrófico “intervalo” Temer. Se isso tem precedente na história me informem, porque desconheço. Analistas descartam qualquer rejeição prévia pelo fato de Manuela ser “comunista” – e, de certa forma, um possível segundo turno entre Bolsonaro-Mourão e Haddad-Manuela será mesmo a cara do país dividido que nos tornamos. Imaginar as tristes figuras do capitão e do general e confronta-las com a esperança de renovação que representam Haddad e Manuela – inclusive para a esquerda e o PT – chega a dar dó.

Veja os 14 presidenciáveis que saíram das convenções partidárias (esse número deve cair para 13 porque o PCdoB decidiu ingressar na coligação encabeçada pelo PT e não deverá registrar a candidatura da deputada Manuela D’Ávila – o prazo para registro dos candidatos na Justiça Eleitoral vai até o próximo dia 15):
– Álvaro Dias (Podemos). Vice Paulo Rabello de Castro (PSC). Coligação com PRP e PTC.
– Cabo Daciolo (Patriota). Vice Suelene Balduíno, do mesmo partido.
– Ciro Gomes (PDT). Vice Kátia Abreu, do mesmo partido. Coligação com Avante.
– Geraldo Alckmin (PSDB). Vice Ana Amélia (PP). Coligação com o Centrão (PTB, PSD, SD, PRB, PR), mais DEM e PPS.
– Guilherme Boulos (PSOL). Vice Sônia Guajajara, do mesmo partido. Aliança com PCB.
– Henrique Meirelles (MDB). Vice Germano Rigotto, do MDB. Coligação com PHS.
– Jair Bolsonaro (PSL). Vice General Hamilton Mourão (PRTB).
– João Amoêdo (Novo). Vice Christian Lohbauer, do mesmo partido.
– João Goulart Filho (PPL). Vice Léo Alves, do mesmo partido.
– José Maria Eymael (DC). Vice do Helvio Costa, do mesmo partido.
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Vice Fernando Haddad, do mesmo partido. Coligação com PROS e PCO.
– Manuela D’Ávila (PCdoB). Vice sem definição.
– Marina Silva (Rede). Vice Eduardo Jorge, do mesmo partido. Coligação com PV.
Vera Lúcia (PSTU). Vice Hertz Dias, do mesmo partido.
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