Epopeia em doze cantos, escrita em versos, “Eneida” conta a história de Eneias, refugiado de Troia que, após viagens erráticas, cumpre o seu destino chegando às margens da Itália — na mitologia romana, o ato de fundação de Roma. Na seara nacional, sem verso, mas com muita prosa, outro Virgílio, que não se retirou para a Campânia, mas segue acampado em sua Manaus natal, tenta, do seu jeito, ajudar a refundar um partido que parece ter perdido o rumo. Pré-candidato a presidenciável do PSDB, no momento em que a maioria rema na direção de Geraldo Alckmin, Arthur Virgílio Neto fez na convenção do partido o que vinha prometendo: opor-se à correnteza da mesma forma que a Gaiola amazonense resiste ao caudaloso Amazonas.
Com Aécio Neves escanteado da disputa, e hostilizado publicamente, Virgílio virou o grilo falante do partido. Além de lutar por prévia interna “respeitosa, dura, geral ampla e irrestrita”, o prefeito manauara pregou o “não” às alianças com partidos da base do governo Michel Temer para a eleição de 2018. E enfatizou que o PSDB precisa “cortar na carne” e “saber punir os seus”. Não era nem preciso apontar o dedo. “Não entro nas coisas para brincar. Jamais brinquei com o PSDB. Brigo por meus votos”, avisou Virgílio, voz dissonante na festa montada para consagrar Alckmin na presidência do partido, no sábado, 9. E se sua anti-candidatura tem chances reconhecidamente remotas, a oposição interna parece, no mínimo, uma boa prática democrática. Além de relançar olhares sobre Virgílio, que andava sumido do mapa político nacional.
Virgílio e Alckmin tiveram um encontro rápido na véspera da convenção, no gabinete do senador Roberto Rocha (MA), mas saíram sem acordo, frustrando os planos do governador paulista, que gostaria de sair da festa ao mesmo tempo como presidente do partido e candidato. Segundo relato de analistas, como Raymundo Costa, do Valor Econômico, em dado momento Alckmin saiu da sala batendo a porta. Com força. “Quem conhece bem o governador paulista disse que nunca o viu tão bravo”, narrou. Em seu discurso, Alckmin não teve outra saída a não ser apoiar, a contragosto, a prévia. A obstinação do prefeito de Manaus em impor o voto interno obriga Alckmin, pelo menos, a discutir os rumos do partido além do seu quadrado político.
Virgílio sonha com uma prévia com 1,2 milhão de filiados, o que Alberto Goldman, o ex-presidente, e Alckmin, o novo, dizem não haver condições técnicas para fazer. De um jeito ou de outro, já conseguiu embaraçar – e irritar – Alckmin. Até março, Alckmin, se quiser mesmo ser o candidato do partido, precisa recompor o PSDB, vencer desconfianças de potenciais aliados como DEM e PMDB, para ganhar tempo na TV, e evitar uma debandada de tucanos na janela de março para o troca-troca partidário. Se toda unanimidade é burra, como ensinava o cronista Nelson Rodrigues, a candidatura de Virgílio pode ter o efeito adicional de trazer um pouco de discernimento ao ninho tucano. E, quem sabe, tirar o partido um pouco do muro.