Uma nação acéfala

Foto Orlando Brito

O isolamento do capitão vai se adensando. O impeachment voltou a ser reverberado, reacendeu manifestações e afinou as panelas. Os desastres em todas as áreas vão empilhando derrotas ao governo. As apostas de Bolsonaro, internas e externas, malograram. Seus comparsas da direita perderam as eleições pelo mundo, no pleito municipal em 2020 o capitão foi o grande derrotado, a economia está destruída e Bolsonaro acaba de intubar seu maior fiasco na guerra das vacinas.

Perdeu no tom, no marketing, na estratégia ideologizada, no timing e na condução da crise, onde se esmerou em sabotar a ciência e debochar das milhares de mortes. Com gabinete do ódio, impulsionamentos em redes sociais, mentiras e bravatas de ruptura, o ajuntamento governamental não consegue mais camuflar a inépcia generalizada, responsável pela necrópole assustadora e a proscrição mundial de uma Nação.

Jair Bolsonaro e o ministro Ernesto Araújo – Foto Orlando Brito

Na política externa Bolsonaro fracassou e as consequências são funestas. O capitão apostou errado nas eleições da Argentina, Bolívia, na Venezuela e no plebiscito chileno. Soçobrou com Donald Trump, repelido pelas urnas. Depois de ceder em tudo na relação vergonhosa e servil aos EUA, transformando o Brasil em um pária global, o capitão perdeu um falso aliado e a referência mundial da direita hidrofóbica e extremista. A diplomacia brasileira foi esfolada. Bolsonaro ameaçou usar “pólvora” contra Joe Biden, recém-empossado que dará o troco, como a China fez. A selvageria golpista de apoiadores na saída de Trump, barbarizando o Capitólio, ainda contou com o endosso do capitão que, macaqueando o método, resgatou a tática de nutrir sua base com fanfarronices golpistas no cercadinho da estrebaria do Alvorada.

O resultado do desastre internacional é mais trágico e mais eloquente na pandemia. Em nome da vassalagem aos EUA, Bolsonaro, os filhos, ministros e ex-ministros dispararam agressões gratuitas contra a China que usou o “V” da vingança e obrigou Bolsonaro a ajoelhar para regularizar o repasse de insumos para produção das vacinas. As ironias, gracejos preconceituosos, racismo, xenofobia, acusações infundadas já refletem num custo muito alto, pago com vidas de inocentes. O governo afastou o Brasil do estratégico BRICs e a Índia, inicialmente, priorizou a exportação do imunizante de Oxford para países asiáticos. Saímos do fim da fila indiana depois do castigo inicial. Para buscar 2 milhões de doses na Índia foi montada uma farsa adesivando um avião. Mentem como método, mentem como os nazistas.

O saldo da indefensável ideologização da diplomacia é que o Brasil está brigado com as 2 maiores potências mundiais: China e EUA. O fornecimento de insumos para as vacinas está ameaçado e o auxílio de oxigênio veio do país que Bolsonaro considera inimigo, a Venezuela, inúmeras vezes hostilizado pela seita. As mortes por asfixia no Amazonas e no Pará evocam as câmaras de gás dos campos de concentração nazistas e jamais serão esquecidas. A vacina russa, registrada em 8 países, foi negada, mas a cloroquina inútil foi recomendada por protocolos do Ministério da Saúde. O Brasil não fez nenhum pré-acordo com a vacina da Johnson & Johnson, prestes a ser aprovada nos EUA. Não temos vacina. Temos tubaína, cloroquina e uma latrina verborrágica.

O histórico do obscurantismo, do escarnecimento e desdém com as vidas é vasto em zombarias. Desde o primeiro dia o capitão minimizou inúmeras vezes a gravidade da doença, provocou e estimulou aglomerações, organizou churrascos, ofendeu os brasileiros chamando-os de “maricas”, conspirou contra a ciência e, ilegalmente, ainda hoje prescreve medicamentos sem eficácia contra a Covid-19. Na batalha das vacinas, derivada da ignorância e despreparo, perdeu todas. Um Aníbal Barca às avessas.

O Ministério da Saúde desprezou o imunizante da Pfeizer, o primeiro a ser aplicado no mundo com taxas elevadas de sucesso e segurança. Quanto ao mesmo imunizante disse: “Se você virar um jacaré, problema seu”. A aposta única, mal conduzida, foi na vacina de Oxford que atrasará ainda mais. Em pelo menos 10 oportunidades Bolsonaro detonou a Coronavac produzida pelo conceituado instituto Butantan, numa irresponsabilidade genocida. Eis o breviário da incúria e da mais abominável abjeção.

“Nós entramos naquele consórcio lá de Oxford. Pelo que tudo indica, vai dar certo e 100 milhões de unidades chegarão para nós. Não é daquele outro país não, tá ok pessoal?”(julho/2020); “E o que é mais importante nessa vacina, diferente daquela outra que um governador resolveu acertar com outro país, vem a tecnologia pra nós”(agosto/2020);“Vacina chinesa de João Dória”(setembro/2020);“Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”(outubro/2020 desfazendo a compra de 46 milhões de doses);“A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para população.

A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido lá” (1 dia depois do cancelamento da compra); “Ninguém vai tomar sua vacina na marra não, tá ok? Procura outro. E eu, que sou governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar a vacina também não, tá ok? Procura outro para pagar a tua vacina aí” (A João Dória em outubro/2020); “Morte invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistas tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha” (novembro/2020, sobre a morte de um voluntário sem relação com os testes); “A eficácia daquela vacina em São Paulo parece que está lá embaixo” (dezembro/2020); “Essa de 50% é uma boa?” (janeiro/2021); “Desmoralizado pela baixa taxa de sucesso” (janeiro/2021); “A vacina é do Brasil, não é de nenhum governador” (janeiro/2021).

A incompetência e idiotia desinibiram-se na pandemia. Se transformaram em colapso, caos, expondo ao ridículo mundial o atrapalhado general de 3 estrelas que desmoraliza o Exército. A caserna virou uma caverna. Ressuscitaram o obscurantismo, revelando ogros, trogloditas, brucutus e outras bestas primitivas. O despreparo, insegurança, truculência e a mentira sobressaíram nos chiliques fardados. “A senhora nunca me viu receitar ou dizer, colocar para as pessoas tomarem este ou aquele remédio”, afirmou Eduardo Pazuello sobre o uso da cloroquina e outras inutilidades. São inúmeras as manifestações de Bolsonaro, Pazuello e Ministério da Saúde enaltecendo o medicamento.

A publicação do MS incentivando o “tratamento precoce” recebeu um alerta no twitter por disseminar informações falsas ou enganosas. As fotos irracionais do capitão com caixas de cloroquina, inclusive para as emas, são eternas, insanas e inexplicáveis.

Ministro Paulo Guedes – Foto Orlando Brito

Na economia a inflação ressurge ameaçadora, o desemprego atinge índices recordes e estratosféricos, o capital privado escafedeu-se, o real derreteu como moeda, a dívida pública explodiu e as empresas vão fechando as portas diante da abulia governamental que insiste no ilusionismo do crescimento em “V” enganoso. O fim do auxílio emergencial, que maquiou um PIB medíocre, já começou a afetar negativamente a popularidade de Bolsonaro na virada do ano. O fechamento das atividades da multinacional Ford, há mais de 100 anos no Brasil, engrossará a massa de desempregados e o desdém governamental contribuiu para o desfecho trágico para os trabalhadores e suas famílias. Antes já tinham encerrado as atividades por aqui a Mercedes, Sony, Audi, entre outras.

O próprio Bolsonaro, viciado em leviandades, chegou a anunciar em suas vadiagens pelas redes sociais que a Argentina perderia 3 grandes multinacionais após a eleição de Alberto Fernandez. Honda, L’Oreal e MWM iriam fechar suas atividades no país vizinho e migrar para Brasil: “A nova confiança do investidor vai gerar mais empregos e maior giro econômico em nosso país”, mentiu em 2019 com o despudor inconfundível. Pouco mais de um ano da mentira, a “confiança” da Ford fechou mais de 6,5 mil empregos diretos no Brasil e manteve-se na “inconfiável” Argentina, que aprovou recentemente imposto sobre grandes fortunas, apresentado como fantasma que afugentaria investidores. Mas exportamos abacate para Argentina, celebrou Bolsonaro.

Em suas lives, Bolsonaro pedia voto para seus aliados

Internamente, no primeiro teste eleitoral após 2018, o fiasco nas eleições municipais foi ensurdecedor, com reveses individuais e políticos. Todos os candidatos que tentaram explorar a logomarca Bolsonaro fracassaram, inclusive a fantasma Wal do Açaí e Rogéria, ex-mulher e mãe da prole problema (01,02 e 03). O 02 se reelegeu vereador, mas perdeu 34% dos votos desde a última eleição. Jagunços que basearam a campanha no ideário bolsonarista (capitão, major, coronel, delegado, juiz etc.) malograram.

O capitão pediu votos para 5 candidatos em capitais: São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Manaus e Rio de Janeiro. Os eleitores nessas capitais somam 18 milhões de votos. Os nomes de Bolsonaro só alcançaram 1,5 milhão de votos, menos do que 10% do total no 1 turno. Apenas 1 avançou para o 2 turno e foi derrotado.

Manifestações pedem impeachment para Jair Bolsonaro – Foto Orlando Brito

A direita escolheu um quadro tosco para tentar se reabilitar no Brasil. O resultado é a ameaça recorrente à democracia, retrocessos civilizatórios, morticínio, mitificação da ignorância, banalização da barbárie, apologia a facínoras e carniceiros, reiteração da mentira, charlatanismo, impunidade para amigos e parentes, promoção das milícias e canonização do banditismo. Depois dos fracassos anteriores, o próximo round é a eleição no Congresso Nacional. Sem resistências, sem a defesa da ordem jurídica ele seguirá, mesmo agônico, por mais 2 anos em conspirações. Exatamente como fez o ícone Donald Trump. Se derrotado, o impeachment se avoluma.

Além das pregações golpistas, bravatas contra os Poderes constituídos e crimes de responsabilidade, outras premissas para o impeachment estão postas: economia em frangalhos, isolamento mundial, incapacidade de governar, inexistência de agenda e perda gradual de popularidade. A conjunção desses fatores não evitou a queda de Fernando Collor de Mello e Dilma Roussef. Ambos tinham os corsários do centrão ao lado. O Brasil se tornou uma ilha anacrônica de imoralidades, malfeitos, embustes, extremismos, infâmia, incúria, irracionalidade, golpismo e desalento. A Democracia, em longe do que diz Bolsonaro, não é uma liberalidade das Forças Armadas; é um princípio constitucional. Ao contrário de 1964, agora a Nação está, de fato, acéfala.

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