Sou branca, parda ou negra?

As comissões de heteroidentificação nas universidades públicas podem indicar o avanço da direitização no meio acadêmico

Não saberia dizer, com certeza, se a primeira vez em que se criaram comitês de averiguação de raça tenha sido na Alemanha nazista. Mas lá, sem dúvida, tal prática foi adotada pouco tempo depois de Hitler ter se tornado Führer, em 1934, após a morte do presidente do Reich, o Marechal Hindemburg.

Li recentemente um livro – ainda não traduzido no Brasil, “Defying Hitler”, de Sebastien Haffner – que, ao contrário de todos os que conheço sobre a II Guerra Mundial, trata do período entre os dois grandes conflitos bélicos e da construção da idolatria popular e maciça a Hitler, em lugar das batalhas propriamente ditas.

O fim desta história todos conhecemos… Mas seria muito útil acompanhar o que se passou naquele tempo, na Alemanha, para estarmos atentos a certas “gargalhadas” dos coringas brasileiros de agora.

No Brasil, a generosidade da proposta de adoção de quotas sociais, e dentre estas as raciais, foi inaugurada na Universidade de Brasília por Resolução no vestibular de 2004 e a questão foi parar no STF em 2009. Lá, tramitou por três anos.

Em lei a matéria foi retomada pelo governo Dilma Rousseff em 2011 (alterada por Michel Temer, em 2016) . Enquanto isso, o primeiro conflito ainda era examinado no STF e, em que pese o texto legislado, que usa a expressão “autodeclarado”, acabou por gerar outro quiproquó.

O relator, Ministro Ricardo Lewandowski, cita dois expedientes para determinar como se faria a seleção dos aquinhoados pelas quotas: a autodeclaração e a heterodeclaração, isto é, as universidades e certos entes públicos poderiam submeter o caso a comissões de verificação, criando ademais uma diferenciação entre os afrodescendentes americanos (mapeamento de DNA) e os brasileiros (avaliação de fenótipo negro ou pardo).

Minha história de vida me autorizaria a me autodeclarar negra pelo critério americano. Descendo, em linha reta, de avô negro, pai de minha mãe, cujo casamento com minha avó, uma filha de espanhóis da cor da neve, iria gerar duras reações: a casa de meus bisavós maternos foi enrolada de pano preto no dia do enlace dos noivos fugitivos e a família da minha avó só se referia a ele como “o cabrito” ( por causa do cabelo “sarará”).

Desde que eu não adote o critério utilizado pelo procurador Sérgio Sulama, do Ministério Público Federal, para quem “o racismo no Brasil é mais baseado no fenótipo e é menos ofensivo em relação a seu antepassado” ( O Globo, p. 32, 16/10/19), também poderia ter direito a uma cota em universidade ou um emprego público, embora não tenha o cabelo enrolado nem a pele muito morena.

Leio, agora, sobre as comissões de heteroidentificação em universidades públicas, formadas por representantes de professores, estudantes e servidores. Fico deveras preocupada, pois já identifiquei que a direitização entre nós veio passo a passo, começando por “Escolas sem Partido”, comentários azedos nas redes sociais (deixei de usá-las para não me machucar mais), o orgulho em se dizer “de direita”, abusos na Lava-Jato, passando pela criação do “mito”, até que aquele insignificante deputado do baixo-clero fosse eleito presidente da República.

Não sei aonde isso pode chegar, mas, do jeito que as coisas andam no país do laranjal, das armas e das ofensas patrocinadas por uma certa família, receio o que possa vir a acontecer com tais comissões de verificação, mormente quando se sabe que o Ministério da Educação é teleguiado, a partir dos EUA, por um astrólogo demente…

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