Um dos principais apelos da campanha de Jair Bolsonaro em 2018 foi disseminar a alegoria de uma pessoa despojada, homem do povo, que usava camisetas de times de futebol, canetas bic, chinelão de dedo e comia pão com manteiga ou com leite condensado e média. O embuste da simplicidade acabou sendo eficaz e gerou uma aderência eleitoral de 39% de eleitores, suficientes para elegê-lo. O truque foi ainda amparado pelo marketing “acabou a mamata” para desqualificar os adversários e vender a ilusão da nova política, rompendo práticas reprováveis. A farsa alçou o capitão ao camarote da mordomia do Planalto. Lá dissipa o dinheiro público como jamais visto e gasta muito com todas as anomalias que fingiu combater. A mentira é um método desde a campanha.
A mais recente ilegalidade, chancelada pelo fiscal dos porteiros e das domésticas – Paulo Guedes -, foi a portaria liberando aumentos de até 69% na remuneração de alguns áulicos, violentando o teto constitucional salarial de R$ 39,2 mil. Os beneficiados com a nova portaria social de Guedes serão Bolsonaro e um séquito de uns 100 “pijamados” com cargos de confiança. O capitão recebe R$ 30,9 mil de salário e mais R$ 10,7 mil em outros benefícios, mas sofre um corte de R$ 2,3 mil para obedecer ao teto. O pagamento atingirá R$ 41,6 mil.
O vice Mourão deverá ter reajuste de 63%. O abatimento de R$ 24,3 mil para respeitar o teto não deve mais ser feito. Assim, a remuneração mensal passa de R$ 39,3 mil para R$ 63,5 mil. A diferença é de 62%. O reajuste do salário-mínimo foi abaixo da inflação e o auxílio emergencial é pífio. Para o abastados o filé, para os pobres o osso.
O ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, que tomou vacina escondido, terá uma injeção financeira. Com a incorporação do desconto mensal de R$ 27 mil, o salário vai para R$ 66,4 mil, significando um acréscimo de 69%. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, terá aumento de R$ 22,8 mil, totalizando R$ 62 mil mensais. Reajuste de 58%. O salário do chefe do Gabinete da Insegurança Institucional, Augusto Heleno, deverá passar de R$ 63 mil, com o agrado de 60%. A liberalidade do liberal Guedes impacta orçamento em R$ 66 milhões ao ano. As primeiras 500 mil doses da Pfeizer em 2020, ignoradas pelo governo em agosto do ano passado, custariam R$ 22,5 milhões, menos da metade dessa boiada que acaba de pisotear o Erário. O ministro Fábio Farias traduziu: “Bolsonaro está ensinando ao mundo como gerir a economia”
O capitão perdulário também esbanjou na comemoração do Dia das Mães. Entre as carnes oferecidas em um churrasco no Alvorada havia uma picanha de ouro. O quilo custa R$ 1,8 mil, segundo o blog “Cozinha Bruta”, da “Folha de S.Paulo”. Em uma das imagens das redes sociais do perfil do churrasqueiro do evento, vê-se duas embalagens com a mensagem ‘Brasil acima de tudo. Deus acima de todos’ e uma menção ao Frigorífico Goiás. O frigorífico também publicou a foto classificando o corte como ‘picanha mito’. O blog ouviu da empresa que a ‘picanha mito’ estava fora de estoque.
A mesma carne, em outra embalagem, custava 600 reais por 350 gramas. Pelas fotos, nota-se que havia, ao menos, duas peças de 350 gramas da picanha. Vida de mito é outra. No passado era mais modesto. “Se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou”. Mesmo com o preço proibitivo, o filé foi rebaixado pela ‘picanha mito’. Afinal, a carne é fraca.
As férias nababescas do capitão em Santa Catarina e Guarujá, entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro de 2021, desbarataram os cofres públicos em exatos R$2.452.586,11. O custo estima R$ 1.053.889,50 com manutenção e combustível dos aviões, de outros R$ 1.196.158,40 com cartão corporativo da Presidência e com diárias da equipe de segurança no valor de R$202.538,21.
A queima diária de mais de R$ 140 mil está sendo investigada pelo TCU. Indagado sobre a farra com dinheiro público, o capitão, batizado de “Bolsocaro” em redes sociais, debochou: “Ah, gastou milhões nas férias. Vai ter mais férias para ser gasto; fiquem tranquilos”, ironizou. “Qualquer saída, a despesa é grande. Mas eu vou assim mesmo”, escarneceu em relação às aglomerações provocadas nas praias onde esteve em plena pandemia e mais de 200 mil mortes à época.
Até hoje Jair Bolsonaro não explicou a dinheirama (R$ 89 mil) de Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama. O Procurador Geral quer decapitar um professor da USP, mas arquivou a investigação sobre o capitão. A suspeita engrossa a nebulosa fortuna do clã. O banco imobiliário da família de hábitos tão modestos soma perto de 40 transações, entre aquisições e vendas. Os valores superam os R$ 10 milhões, somando os negócios do pai, filhos, mãe e madrasta em apartamentos, terrenos, casas e salas. Jair Bolsonaro negociou 14 imóveis. Flávio chegou a 21 operações com a mansão mal-assombrada de Brasília, destaque do empreendedorismo cujo valor é de R$ 6 milhões no condomínio da pompa na capital.
Corriqueiras nas transações imobiliárias deles são as compras abaixo do valor de mercado, vendas lucrativas, lacunas sobre a origem e licitude dos recursos e a predileção por pagamentos em espécie. Na mansão de Flávio Bolsonaro há névoas do alicerce ao acabamento. O valor do imóvel – R$ 5,97 milhões – é mais que o triplo dos bens declarados pelo senador em 2018. Ao TSE, o patrimônio informado foi de R$ 1,7 milhão: um apartamento, uma sala comercial, 50% da franquia da fantástica fábrica de chocolates, um automóvel e investimentos. A escritura atesta a quitação de R$ 2,8 milhões de entrada e o financiamento bancário de outros R$ 3,1 mi. Aqui surgem rachaduras. Houve um incremento de R$ 1,1 milhão no patrimônio em 2 anos. As 3 transferências bancárias para pagar a entrada somam apenas R$ 1,09 milhão dos R$ 2,8 milhões assinalados na escritura como quitados.
O hábito de pagar imóveis em espécie, no bucólico do Rio de Janeiro, é hereditário. Rogéria Bolsonaro, mãe dos numerais 01, 02 e 03 e primeira mulher do capitão, comprou em 1996 um apartamento na zona norte do Rio pelo valor de R$ 95 mil. Atualizado o imóvel, situado em Vila Isabel, valeria R$ 621 mil. No período da compra Rogéria Bolsonaro era casada com o então deputado Jair Bolsonaro em comunhão de bens. A separação só aconteceria 2 anos depois, em 1998.A escritura registra com todas as letras que o preço “certo e ajustado de R$ 95 mil foi recebido integralmente no ato… através de moeda corrente devidamente conferida, contada e achada certa e examinada pelos vendedores”.
Entre o final de 1997 e 2008, quando estava com o então deputado Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira comprou com ele 14 apartamentos, casas e terrenos, que somavam um patrimônio avaliado em cerca de R$ 3 milhões, o equivalente a R$ 5,3 milhões em valores corrigidos pela inflação. Pelas escrituras, contou a revista “Época”, cinco dos 14 imóveis foram pagos “em moeda corrente”, ou seja, em dinheiro vivo, passeando impunemente pelo Rio de Janeiro. Foram duas casas, um apartamento e dois terrenos em negociações separadas, que somam R$ 243. mil, em valores históricos, ou atualizados R$ 638 mil.
Outro midas do ramo imobiliário, Eduardo Bolsonaro, pagou R$ 1 milhão em 2016 por um apartamento em Botafogo, Zona Sul do Rio. A escritura mostra que ele deu um sinal de R$ 81 mil e estava pagando, no ato, mais R$ 100 mil em “moeda corrente do país, contada e achada certa”. O mesmo registro ainda firma o compromisso do deputado de pagar mais R$ 18,9 mil seis dias depois. A maior parte, R$ 800 mil foi financiada pela CEF. Em 2011, Eduardo Bolsonaro comprou por R$ 160 mil outro imóvel, R$ 50 mil foram honrados em espécie. A secretaria municipal de fazenda, para efeitos fiscais, avaliou o imóvel por R$ 228 mil, ou seja 30% a mais. As revelações foram do jornal “O Globo”. O patrimônio dele entre 2014 e 2018 subiu 432%, segundo os dados do TSE.
Carlos Bolsonaro, enrolado na CPI do Senado e no inquérito das ‘Fake News’, é outro aplicado investidor imobiliário da família. O jornal “Estado de São Paulo” mostrou que em 2003, no primeiro mandato como vereador, pagou R$ 150 mil em dinheiro vivo por um imóvel na Tijuca, Rio de Janeiro. O valor corrigido é de R$ 366 mil. Um dos três imóveis comprados pelo vereador durante a vida pública foi adquirido por preço 70% abaixo do avaliado pela Prefeitura. O apart-hotel custou R$ 70 mil ao filho 02, quando o valor venal era de R$ 236 mil estipulado pela prefeitura para cobrança de impostos.
Bolsonaro não dilapida o dinheiro público sozinho. Socializou a grana dos contribuintes e privatizou o orçamento com alguns poucos congressistas a fim de blindar pedidos de impeachment. Evoca as catacumbas dos anões do orçamento de 1993. O governo criou um orçamento secreto para repartir com os fiéis. O esquema envolveu a destinação de R$ 3 bilhões em emendas do Orçamento para parlamentares leais, que puderam definir onde seriam aplicados os recursos. Quem denunciou a mamata é chamado de “canalha”. O Ministério Público junto ao TCU solicitou a investigação. Avalia-se que o suposto esquema pode configurar eventual crime de responsabilidade. Foi o entendimento de que a ex-presidente Dilma Rousseff teria cometido crime de responsabilidade no caso das “pedaladas fiscais” que levou ao impeachment da petista em 2016. Pau que dá em Chico, dá em Francisco?
A família Bolsonaro, cujos imóveis e opulência desmentem a modéstia da campanha, é bancada pelo dinheiro público há anos. Carlos Bolsonaro é vereador no Rio de Janeiro, onde o salário é de R$ 18 mil. Tem mandato há 21 anos quando foi recrutado para derrotar a própria mãe aos 17 anos. Flávio Bolsonaro, cercado de suspeitas de crimes, está há 17 anos com mandatos, quatro deles como deputado estadual (salário de R$ 25,3 mil) e o recente de senador, com salário bruto de 33,7 mil. Eduardo Bolsonaro tem 5 anos de mandato de federal e recebe por lá, além de mordomias, uma remuneração de R$ 33,7 mil. Até o caçula já está faturando. O clã, bem fornido, incluindo o pai com mandato há quase 30 anos, fatura todos os meses R$ 127 mil do dinheiro público. É um bolsa-família inovador, já que não se conhece contribuições legais deles, as ilegais sim. Quem são os “parasitas” de Paulo Guedes?
Não se pode negar que a gestão é prodigiosa em invencionices, delírios e mentiras. Na pandemia inventaram um fictício isolamento vertical que ninguém jamais entendeu. Antes, Paulo Guedes maquinou o tal “PIB privado” diante do fiasco econômico da sua gestão. Assistindo à despudorada dilapidação do dinheiro publico em férias de magnata, picanhas de ouro, orçamentos secretos, aumento do próprio salário e o bolsa família do clã, dá para começar a entender a lógica do PIB privado: transferir os recursos públicos para CPFs escolhidos. Até o final do mandato, todos os sinais externos de pobreza estarão desmascarados. A única máscara que Bolsonaro usava, da falsa simplicidade, caiu há tempos. “É gente humilde, que vontade de chorar”: Chico Buarque.