“O Estado é, no Brasil, um fator de dissolução. A influência deletéria dos interesses anti-sociais, criados e alimentados em torno do poder público, desde os municípios até a União, sobre a vida brasileira, é um fato cujo alcance não foi ainda atingido pelos observadores das nossas coisas públicas. Este regime deve ser substituído por ouro, capaz de levar a termo o encargo da geração presente para com o futuro.”
A ponderação de Alberto Torres na introdução do seu ensaio “O Problema Nacional Brasileiro”, publicado em junho de 1914, portanto há mais de um século, não perdeu a sua oportunidade salvo no destaque de que os observadores da coisa pública no Brasil não tenham, ainda, identificado a disfuncionalidade do nosso Estado. E mais do que isso: o quanto a sociedade que o construiu é cruel e ensandecida. Na época, Torres se digladiava com a jovem República brasileira que ajudara a criar e, de certa forma, a construir.
Militante abolicionista e republicano desde quando estudante nas faculdades de direito de São Paulo e do Recife, ex-deputado estadual, ex-deputado federal, ex-ministro da Justiça, ex-presidente (governador) do Estado do Rio de Janeiro e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Alberto Torres conhecia de perto as agressões republicanas aos interesses da Nação e do povo brasileiro, desde o golpe de 1889 liderado por Deodoro que expulsou Dom Pedro II do País.
Torres não foi o mais destacado e denso dos pensadores brasileiros do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX no Brasil. Joaquim Nabuco, Capistrano de Abreu, Rui Barbosa, Euclides da Cunha e Silvio Romero, por exemplo, permanecem como interlocutores necessário ao longo do tempo quando se quer tentar compreender a formação social, econômica e política dos brasileiros. Mesmo o seu mais destacado discípulo, Oliveira Vianna, e, não tão diretamente, Sérgio Buarque de Holanda, foram mais abrangentes e refinados nas suas leituras e intepretações do Brasil. Note-se, entretanto, as diferenças significativas entre Vianna e Holanda.
Torres trouxe para o debate político a questão do nacionalismo, do olhar não racial – tão em voga na época – sobre o homem brasileiro, da necessidade da compreensão da cultura, dos hábitos e costumes do povo nas suas diversas manifestações nos quatro cantos do País – sem os estrangeirismos de então – e do papel do Estado, e de um Estado forte, no fazimento de tudo isso, sobretudo para educar e unir a Nação em torno de um projeto de todos e para todos. Não por acaso, o Integralismo nos anos 1930, numa leitura não exatamente honesta, tenta transformar o pensamento torreano na sua matriz ideológica e autoritária.
Perquirindo textos de Alberto Torres para uma apresentação no IHG-DF (Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) – que tenho a honra de integrar -, vejo que parte das apreensões do pensador fluminense ainda pairam vivas no País. A pandemia que nos aflige desde março do ano passado, apenas reuniu de uma só vez o amontoado de todos os nossos males de sempre. Não-cidadania, corrupção, exclusão estrutural, concentração de renda, governantes criminosos, incúria do poder público, ausência de solidariedade, uma sociedade apática e sem identidade.
E mais: uma Nação sem rumo, instituições degradas, nenhum interesse comum, sem perspectivas e projetos. Endinheirados rudes, incultos, desprovidos de qualquer sentimento de pertencimento a um território com povo que aprendemos a chamar de Brasil. Como se fosse pouco, o Exército brasileiro, tido como a instituição mais respeitada do País, mergulha na cloaca do governo Bolsonaro, e se deixa carimbar como o novo “partido da boquinha”, até bem pouco tempo o título mais honroso do PT de Lula e alhures.