Depois de Presidente da República recebi um honroso convite da Universidade Brown, uma das oito grandes universidades da chamada Ivy League, de grande prestígio, para participar de um colóquio na Biblioteca John Carter Brown. Sua coleção, a mais completa e valiosa Americana — uma biblioteca de livros e mapas raríssimos sobre o triplo continente —, tem, portanto, singular interesse para nós da América Latina. E não contém nenhuma obra posterior a 1820, se não me falha a memória.
O Carter do nome da biblioteca não tem nada a ver com o ex-Presidente Carter, mas com o grande colecionador que a fundou, filho do patrono da Brown University. Era também ligada ao Brasil pelo fato de José Mindlin, nosso mais conhecido bibliófilo, ter sido membro do Conselho da Biblioteca.
A Associação dos Brasilianistas, que naquela época tinha como presidente Thomas E. Skidmore — que escreveu sobre a política brasileira de Getúlio a Castelo —, tinha sua sede na biblioteca. Entre seus membros estava um dos maiores pesquisadores da área, Ronald M. Schneider, autor de inúmeros livros, entre eles The Political System of Brazil. Eu o conhecera num jantar com vários brasilianistas que recebi quando Presidente da República. Surpreendeu-me porque falava português meio arrastado. Eu lhe perguntei como aprendera a nossa língua: para uma risada geral respondeu: “Na cama; fui companheiro durante oito anos de uma bela paraense…”
Nunca mais o vi. Não é que em 2009 recebi, por intermédio do brilhante Embaixador Jerônimo Moscardo, a visita do Schneider, que veio me falar de um livro seu sobre a transição democrática. Concluiu dizendo-me que a melhor transição do mundo fora a brasileira, com todas as suas dificuldades: a morte de Tancredo, a falta de apoio militar, a convocação de uma Constituinte, a realização de uma nova e inovadora Constituição, a de 1988, e a eleição para minha sucessão, quase ganha por um operário. Lembrava a ausência de qualquer hipoteca militar, a modernização das Forças Armadas e destacava minha liderança. O livro já estaria pronto e entregue a uma editora americana. Surpreendeu-me mais ainda o título do livro: Sarney, 60 Anos de Política.
Dois anos depois um amigo meu comprou os direitos autorais para o Brasil. Agora — como se fosse um presente para os meus 90 anos — a Editora Krauss acaba de editar o livro, que já está em algumas livrarias de S. Paulo, com um generoso prefácio do Embaixador Seixas Corrêa e um texto de capa do também intelectual Jerônimo Moscardo. Eu fiquei feliz. O livro é muito bem feito, porque não é só uma biografia minha, mas um estudo sobre um período difícil da nossa História contemporânea.
Infelizmente Schneider faleceu há alguns anos e não posso agradecer o seu trabalho.
A Editora Krauss me informou que a divulgação do livro está sendo prejudicada pela pandemia, mas que, em breve, promoverá o lançamento no Maranhão.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras (Artigo também publicado em O Estado do Maranhão)