Paulo Guedes, ao falar das “fricções” entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, parecia repetir o Chief Justice da Suprema Corte dos EUA, Warren Burger, para quem o sistema presidencialista de governo fora concebido pelos autores da Constituição de 1787 (Founding Fathers) “propositadamente para gerar confusão e discordância”. Burger era um bom leitor de James Madison, o notável escrivão da Convenção de Filadélfia.
Embora tenha vivido em Chicago, Estado de Illinois, Guedes não conseguiu perceber, no entanto, que, ao contrário do que entre nós se imagina, o presidencialismo é o sistema de governo em que, exatamente por conta da separação de poderes a que se reportava Burger – as tais “fricções” −, o parlamento (Poder Legislativo) é forte, e não o contrário. No parlamentarismo, curiosamente, podemos ter parlamentos fracos, quando a autoridade carismática de um primeiro-ministro se impõe sobre a sua própria maioria parlamentar.
Quando isso ocorre, são comuns as delegações de poderes (government by decree), tornando-se o Poder Legislativo um mero carimbador de decretos executivos. Foi o que ocorreu, por exemplo, durante o governo de Margaret Thatcher. Boris Johnson já mostrou que deve seguir o mesmo caminho. Por outro lado, a Suprema Corte dos EUA, durante o governo Reagan, considerou inconstitucional, o expediente de se governar, no presidencialismo, por decretos com força de lei que, posteriormente, viessem a ser ratificados pelo Congresso.
É claro que, quando falamos de presidencialismo, não estamos a tratar de seu arremedo, tal qual como o conhecemos aqui no Brasil. Reportamo-nos à matriz norte-americana.
Em matéria orçamentária, por exemplo, o Congresso, em Washington, dispõe de prerrogativas irrestritas para dispor sobre a destinação da arrecadação, podendo, até mesmo modular os gastos necessários com o pagamento do serviço da dívida pública, algo interditado aos congressistas brasileiros. São conhecidas as ações de parlamentares norte-americanos denominados “libertários”, que, todos os anos, na época de deliberação sobre o orçamento, apresentam emendas para reduzir o comprometimento de tributos com o pagamento do débito público.
E quando Legislativo e Executivo não se entendem sobre o que fazer com o dinheiro que o erário vai arrecadar, isto é, quando não fecham um acordo (lembremo-nos dos vetos presidenciais com parte do arsenal das “fricções”), a consequência é o “shutdown” do governo. Desligamento do poder público. Quase tudo para, mesmo. É algo a que assistimos, recentemente, durante os governos de Bill Clinton, Barack Obama e, também, Donald Trump. Confusões e discordâncias por lá, como na canção mineira, brincam pelo ar como coisa natural.
Se quiserem que o governo por aqui centralize as decisões que digam respeito a como, quando e onde gastar, melhor seria, então, que ventilassem a hipótese de mudar de sistema de governo, adotando o parlamentarismo. Governariam por decretos. Mas há juristas renomados que dizem que isso não seria possível, pois já houve um plebiscito, em abril de 1993, convocado por força de comando constitucional, que ratificou o sistema presidencialista de governo.
Ou que, na melhor das hipóteses, o parlamentarismo só seria legítimo se viesse a ser confirmado por um referendo. Em 1962, o povo não referendou o parlamentarismo confeccionado às pressas para permitir a posse de João Goulart, cuja assunção à Presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros, era vetada pelas Forças Armadas.
Mas há a alternativa de se levar a efeito essa centralização na marra, com a manipulação das massas contra a democracia representativa, bem ao estilo bonapartista, e – perdoem-me a expressão que simplesmente reproduzo, tal como pronunciada por autoridade da República – “foda-se” o resto. Mas aí a estratégia já tem outro nome: chama-se golpe de Estado.
Thales Chagas M. Coelho é advogado e mestre em Direito Constitucional pela UFMG