Orçamento base zero, o fim da ficção orçamentária

O orçamento para 2021 prevê despesas de R$ 1,5 trilhão, mas menos de 7% são discricionárias. Amarrado por prioridades ultrapassadas, é preciso dar um salto na gestão dos recursos públicos e adotar o orçamento base zero

Pode não parecer, mas o Brasil passa por um momento de inflexão. Desde 2013, vivemos sucessivas turbulências políticas e econômicas. Depois de mais de duas décadas, onde o caminho adotado pelos governantes apontava para um único lado, o País questiona se o sentido que devemos seguir não é justamente o oposto.

Vejo isto com otimismo. O fato de parte dos brasileiros estar refletindo sobre novas políticas públicas é positivo. A humanidade evoluiu ao questionar, duvidar, experimentar.

Hoje, graças aos novos ventos da política, é possível questionar sem medo do patrulhamento. Assim, discutimos as privatizações, a gestão do Estado, as formas de inclusão social.

Orçamento 2021: escolhas passadas

Fiz esta rápida digressão para tratar do orçamento da União, cuja proposta para 2021 começa a ser debatida no Legislativo. Essência da administração pública, o PLOA 2021 reflete os vícios acumulados por décadas, e revela uma verdade inconveniente sobre a distribuição dos dinheiros dos tributos.

Sua montagem ao longo de sucessivos governos gerou uma engenhoca multifacetada. Cada governante acrescentava uma peça nova.

É por meio do orçamento que o Brasil decide a cada ano o que é mais importante para os brasileiros, quais setores vão ser beneficiados ou preteridos. Elaborar e votar o orçamento deveria ser o momento das escolhas nossas de todos os anos. O momento mais importante do Parlamento.

Porém, nosso modelo orçamentário é incremental, de tal forma engessado que pouco resta para o mandatário decidir. O orçamento perpetua prioridades escolhidas noutros tempos através de vinculações de receita, obrigações constitucionais e indexação da despesa. Ao longo do tempo, quase todo o orçamento da União foi capturado por diferentes grupos de interesse, reduzindo a liberdade do governo a quase zero.

Mais dinheiro para servidores…

Um dos casos mais evidentes é o do funcionalismo. Os servidores públicos federais custam cerca de R$ 337 bilhões, ou 4,4% do PIB, com apenas 2 milhões de pessoas. A eficiente pressão deste estamento tornou-o imune a crises. Os trabalhadores podem ser demitidos e ter salários reduzidos. Os servidores, não.

Foi uma escolha feita no passado, perpetuada por meio de amarras legais, mas injustas. Basta ver os gastos com o INSS, o maior programa social da União. Custa R$ 704 bilhões, ou 9,2% do PIB, porém, beneficia 35 milhões, a maioria recebendo um salário mínimo. Ao Bolsa Família será destinado 35 bilhões, ou menos de 0,5% do PIB, para alcançar cerca de 12 milhões de famílias.

Ou seja, por intermédio dos governantes eleitos, o Brasil escolheu privilegiar um extrato da população e desfavorecer outro. Como já exemplificou Fernando Schüler, em artigo recente, os governantes decidiram que há dinheiro para bancar o sobreteto (vantagens acima de R$ 39,3 mil), construir o TRF-6 e nutrir o fundo eleitoral, mas não para a renda mínima de R$ 300. Na PEC da reforma administrativa, juízes, procuradores e parlamentares manterão seus privilégios, bem como algumas categorias de servidores.

… ou para o Bolsa Família

Falso, portanto, quando um gestor afirma que “não há verba”. O PLOA 2021 prevê despesas em torno de R$ 1,5 trilhão. Muito dinheiro, mas quase todo carimbado. Deste total, 93,7% são despesas obrigatórias. Escolhas feitas no passado, herdadas pelos sucessores, mas que podem ser alteradas pelo Parlamento.

E se decidíssemos que o governo vai aumentar para R$ 300,00 o Bolsa Família para beneficiar 20 milhões de famílias, todas na base da pirâmide social? Precisaríamos desembolsar R$ 78 bilhões, ou 1,1% do PIB. Há dinheiro? Óbvio que há. Basta fazermos as escolhas.

O problema é menos encontrar o que falta – os R$ 43 bilhões adicionais – para turbinar o Bolsa Família e mais o fato de um terço da população do Brasil vive da transferência de renda com verbas públicas: 64 milhões atendidos com programas de benefícios sociais e outros 12,4 milhões de servidores da União, estados e municípios.

Felizmente temos os limites da PEC do teto dos gastos que impõe um freio na gastança. A regra obriga o governante a escolher onde aplicar a receita em vez de apenas produzir mais déficit e mais dívida. Lembrando que o orçamento federal é deficitário desde 2014 e o equilíbrio entre despesas e receitas ainda deve demorar.

Começar de base zero

Mais do que preservar o teto de gastos, é preciso reformar o método de elaboração orçamentária. Ao contrário do poder público, a iniciativa privada sempre busca métodos de gestão mais eficientes. Refiro-me ao orçamento base zero (OBZ). O modelo apareceu nos EUA nos anos 1970, e ganhou destaque quando Jimmy Carter, então governador da Geórgia, adotou-o no seu Estado. Mais tarde, já presidente, levou o OBZ para o governo federal.

O alvo é a otimização de gastos e alinhamento de investimentos no processo orçamentário. Definido o posicionamento estratégico da organização, o orçamento anual é construído a partir do zero, e os recursos disponíveis são alocados de acordo com as prioridades que correspondem às diretrizes estratégicas da organização.

Despesas consideradas menos relevantes são reduzidas ou eliminadas, liberando recursos para projetos e atividades que realmente importam. Isto permite uma alocação mais eficiente e racional dos recursos disponíveis.

O orçamento base zero é um caminho da modernidade e racionalidade. A PEC do Pacto Federativo (PEC 188/19), combinada com a reforma administrativa, seria fundamental para viabilizá-lo.

Creio que devemos aproveitar esses tempos conturbados, mas propícios à confrontação de ideias, para analisar esta mudança. Com ela, a votação do orçamento ira se tornar, todo o ano, o momento em que o país escolheria suas prioridades. Os governantes deixariam de ser carimbadores para se tornar gestores públicos.

* Mateus Bandeira é conselheiro de administração e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento do RS

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