O presidente e o canto da sereia

Aprende-se com os velhos e ensina-se aos jovens que paixões são efêmeras, ao contrário das relações duradouras. O encontro das curvas do Ibope do governo Bolsonaro, com queda do ótimo+bom e subida do ruim+péssimo, deveria levar o presidente a refletir sobre seu êxtase com aplausos. É natural que, com o tempo, o cidadão comum vá se distanciando dos ódios e das idolatrias da campanha eleitoral. Na rotina do orçamento doméstico, a anestesia da paixão política vai perdendo efeito, e o eleitor acaba se lembrando de que a função de um governo é fortalecer a Economia. Todo o resto, como se diz por aí, não passa de mimimi.

Há seis meses o presidente faz ouvidos de mercador aos apelos para descer do palanque, dedicar-se mais a governar para o todo do que a fazer salamaleques ideológicos para a parte. O verbete sobre o primeiro semestre de Bolsonaro e seus intrépidos ministros é intenso de episódios fugazes, muitos até divertidos depois que passam, mas incompatíveis com os anseios de empresários, trabalhadores e todos que precisam ver a roda da economia girar. À direita ou à esquerda, as famílias sofrem com a persistência de uma crise que nenhum tweet ou bravata é capaz de amenizar. Gestores públicos escolhidos mais pelo mérito do que pelo viés político, fariam melhor.

É o nível do emprego de um país, quase sempre, que classifica seus estadistas. A prioridade do presidente para livrar o Brasil do desânimo em que se encontra deveria ser a adoção de medidas para criar postos de trabalho. Em segundo lugar, combater o desemprego. Se sobrasse tempo, antes de gastá-lo em factoides para aprofundar a divisão entre compatriotas, o presidente deveria reunir sua equipe para pensar em formas de criar mais empregos. É o que tem feito um de seus ícones, o presidente Donald Trump, mesmo sem abandonar as presepadas de cada dia.

É verdade que a reforma da Previdência, uma vez aprovada, terá lugar na história, posto que livrará o país de um peso que se tornou abissal diante das carências da população. Mas de forma alguma a perspectiva de mudar as aposentadorias, seja abaixo ou acima do trilhão cobiçado pelo ministro, isenta o presidente da República da responsabilidade de apresentar aos brasileiros e às suas instituições representativas propostas para melhorar a Saúde, a Educação, a Segurança, a Ciência, a capacidade tecnológica e, acima de tudo, os índices de emprego. De preferência, sem mimimi.

A antiguidade grega alertava para o risco de naufrágio, perto de ilhas do Mediterrâneo, de pescadores apaixonados pelo canto daqueles seres sedutores, metade mulher metade peixe. Isso foi bem antes de a Idade Média convencer a turma a parar de navegar porque a Terra era plana. A lenda é bem velha, mas a sabedoria a imortalizou. O som de palmas e gritos pode ensurdecer o presidente em seu palco imaginário, mas passa. Bem depois que a Terra voltou a ser redonda, o lendário estadista Abraham Lincoln deixou outro ensinamento. Pode-se enganar a todos por algum tempo, a alguns por todo o tempo, mas não a todos o tempo todo.

Idolatrias não resistem à força do bolso vazio. É a Economia, senhor presidente. `

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