O cineasta italiano Mário Monicelli refinou a mordacidade da comédia. “Parente é serpente” narra os segredos da família Colapietro, na região medieval de Abruzzo, na Itália. O pano de fundo, além de segredos familiares picantes, é o desamparo e solidão na iminência do declínio, da ruína. O final é trágico.

A serpente está também na magistral película de Ingmar Bergman que retrata a Alemanha pré-nazista. O ambiente ideal para chocar “O ovo da serpente” foi a República de Weimar. O desemprego, recessão, insegurança e instabilidade estenderam o tapete vermelho para as atrocidades de Adolf Hitler. O legado foi o ideário de reiteração da mentira, inoculação do medo e a estratégia de responsabilizar inimigos pelos malogros, como chocalha diariamente o clã Bolsonaro.

Cena de “O ovo da serpente”, filme de Bergman

A metáfora, em ambos, se presta a simbolizar a traição e a falsidade encarnadas pela víbora. Igualmente traduz a atmosfera peçonhenta em finais de ciclo. Ninguém cria serpentes, mas o capitão, além da gestação, alimenta suas crias enrodilhadas no poder. Os filhos do presidente Jair Bolsonaro dão as cartas no governo e causam muito estresse. Todos os ministros tombados, o foram pelas presas da fraternidade. Agora todos são investigados.

A exemplo dos 3 irmãos metralhas, os descendentes do capitão são apresentados pelo criador através de numerais. Os metralhas são meliantes lendários de Walt Disney. Simbolizam os quadrilheiros trapalhões mais notórios da história do crime. O 01, 02 e o 03 são: Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro. O trio empilha um vasto histórico de embrulhadas que contribuíram para envenenar o ambiente político. Boa parte da arapuca atual advém da prole problema.

O senador Flávio Bolsonaro é mais silencioso por dissimulação tática. Eviscerado no cenário nacional, tenta camuflar-se – como répteis acuados – na apuração do crime das ‘rachadinhas’ durante o anônimo mandato de deputado estadual. Rasteja na selva jurídica para retardar ou fugir da constrição da investigação. A intimidade com o ninho de cobras da milícia carioca é tóxica. Entre eles o fantasma Fabrício Queiroz e o arquivo Adriano da Nóbrega, que levou para o túmulo segredos do serpentário.

Manifestações constantes contra o presidente da Câmara, deptuado Rodrigo Maia – Foto Orlando Brito

Quando pode inocula alguma peçonha nas redes sociais, toca de refúgio familiar. “Impressionante a canalhada querendo desqualificar manifestações a favor de Bolsonaro e contra arroubos de Rodrigo Maia como se fossem atos pelo AI-5, ou contra o Congresso. Democracia pulsando forte, povo mandou seu recado hoje”, destilou o senador ondeando a pregação golpista já rechaçada pelas Forças Armadas.

Eduardo Bolsonaro, deputado federal e burocrata da PF, é ativo na tocaia para envenenar as instituições. “Basta um cabo e um soldado para fechar o STF”. Também vocaliza botes mais letais contra a democracia: “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta ela pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada por plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”. Até o pai o censurou o excesso de toxina autoritária. A principal característica dos ofídios é a atrofia auditiva. Apesar dos repelentes democráticos, o guizo golpista segue ressoando.

A caçada a Eduardo Bolsonaro ocorre ainda pela disseminação de informações falsas. Joyce Hasselmann, na muda da pele bolsonarista, apontou as fossetas para o 03. A CPMI das fake News o rastreia e a polícia também. Acossado, reage instintivamente e esquece o sangue frio. Tentou, em vão, barrar as investigações no STF.O assessor – Eduardo Guimarães – teria deixado rastros. O 02 abateu Joice, derrubando-a da liderança do governo. Depois comparou-a a uma porca. Rebaixou a ex-aliada a piolho de cobra.

Depois de fraquejar na aspiração diplomática, o ex-chapeiro da Virgínia, serpenteou em florestas internacionais necrosando parcerias essenciais ao Brasil. “Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mas uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução”, sibilou em suas redes. Também disse que os imigrantes fora do País são uma “vergonha nossa”.

Outro da língua bífida é o 03, o vereador Carlos Bolsonaro. Pela agressividade e pré-disposição ao ataque é a naja da família. Dilata o pescoço para cuspir veneno contra tudo e todos. As presas prediletas: imprensa (“lixo” e “prostitutas”), o Rodrigo Maia (“gordo”, “frouxo”), a CPMI das fakes News (“canalhice”). Conjuga o verbo picar em todos tempos e pessoas. Não poupa governadores, o vice-presidente, Joice Hasselmann e nem herpetólogos leais.

Carlos Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Vítima recente da mordida traiçoeira foi Major Olimpio, defensor de Bolsonaro, xingado de “bobo da corte” e “canalha”. “O problema dele (Carlos) é psiquiátrico. Sei o sofrimento do pai dele, o próprio pai, o que sofre e o que já sofreu quando ele surta, quando ele some e ninguém sabe o que aconteceu, o pai entra em desespero. Eu não entro em briga doméstica com moleque, com irresponsável, com nada”, diagnosticou o senador paulista aprofundando a autofagia de cobra engolindo cobra.

Como os outros, também gosta de esgueirar-se em conspirações contra a democracia. “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”, argumentou. Gustavo Bebbiano, ex-ministro falecido, atribuiu a ele a ideia da “Abin paralela”, sub-reptícia e invisível ao controle público. Segundo o mesmo ministro, 03 comanda o gabinete do ódio. A Polícia Federal parece ter chegado a mesma conclusão. Em uma das peças investigadas – disseminada por Jair Bolsonaro – os ministros do STF são representados como hienas.

“Tenho atuado como posso, entretanto, é visível que o presidente está sendo propositalmente isolado e blindado por imbecis com ego maior que a cara. Cagam para o Brasil. Graças a deus e para o bem do nosso país os avanços sobrepõem os vis. É uma luta inglória”, desabafou agora em março admitindo o confinamento do cobril.

O presidente Bolsonaro e o então ministro Moro no Planalto – Fotos Orlando Brito

Sérgio Moro, desertor e ameaça, prova agora do próprio veneno. É o escorpião que ferroa o sapo depois da ajuda para atravessar o lago incólume, desculpando-se pela natureza predatória e irrefreável da picada. Ao pular do barco atirando em Bolsonaro, sente as escamas, antes impermeáveis, pinçadas pelos predadores do antigo charco. No depoimento não matou a cobra, não mostrou o pau.

Há o risco real de serem devorados pelas aves de rapina que vão reinar no matagal governista: o Centrão. O grupo reúne águias da sobrevivência na selva e que pedem alto pelo soro e torniquetes. O apetite desmedido e mandíbula expansível permitem que seus integrantes abocanhem presas – cargos – desproporcionalmente maiores que seu tamanho. Só chocam ovos de serpentes ser for para o abate.

“Parente em governo, sempre cria problema. Para o governo ou para o parente”. A advertência do experimentado José Sarney – cobra criada -, apesar da contemporaneidade, vem sendo negligenciada. No governo de Getúlio Vargas, a filha e conselheira, Alzira Vargas opinou pela resistência armada antes do suicídio e, no governo Fernando Collor de Mello, o irmão Pedro, implodiu os coloridos. Depois de enxovalhar toda a fauna, o filhotismo de Bolsonaro se transformou na maldição de Saturno.

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