O Brasil não é só litoral, ministro!

Considerações sobre o ataque do Ministro da Casa Civil, Rui Costa, a Brasília.

Rui Costa - Foto Divulgação/PT-BA

O ataque a Brasília feito pelo Ministro da Casa Civil , Rui Costa, com críticas falaciosas causou indignação nos brasilienses e nos políticos que representam sua população. Em visita a uma cidade baiana na semana passada, o ministro disse: “Eu chamo aquilo de ilha da fantasia. Aquele negócio de colocar a capital longe das pessoas fez muito mal ao Brasil. Era melhor ter ficado no Rio de Janeiro, ter ido para São Paulo, Minas ou para a Bahia. Para que quem fosse passar num prédio na Câmara e no Senado passasse antes de chegar no seu lugar de trabalho, numa favela, debaixo de um viaduto com gente pedindo comida, com gente desempregada porque ali as pessoas vivem numa ilha ilusória, numa bolha de fantasia.”

Carlos Lacerda

Sou brasiliense e, infelizmente, já estou acostumada com a imagem deturpada que os brasileiros têm de Brasília e com as críticas falaciosas de alguns políticos que nos remetem à História, de tão batidas, pois, são parecidas com àquelas antigas críticas anti-mudancistas do udenista Carlos Lacerda. Quando isso acontece, costumo pensar que baixou um “espírito lacerdista” na tal pessoa.

Mas, no caso específico do ministro Rui Costa, as críticas me remetem a outro udenista que detestava a capital: Jânio Quadros, devido a algumas semelhanças entre eles, que são: a evidente dificuldade em negociar com o Congresso onde não se tem base parlamentar sólida e a notória dificuldade de articulação política, tanto que se não fosse a intervenção do presidente Lula, a MP que reestruturou a organização dos seus ministérios não teria sido aprovada. Assim sendo, parece que as críticas do Ministro a Brasília não são fruto de desconhecimento sobre a cidade, e sim, uma mera cortina de fumaça na tentativa de encobrir sua inabilidade política, apesar da sua grande competência técnica.

Construção de Brasília vista aérea

É impossível que em pleno século XXI, um economista que é ministro de Estado, desconheça que a construção de Brasília foi essencial tanto para a integridade do nosso território quanto para a integração nacional, além de fundamental para a ocupação da região amazônica após a conclusão da Belém-Brasília. Portanto, é uma grande falácia dizer que seria melhor que a capital fosse em outro lugar senão no território escolhido pela Missão Cruls. Já dizia a letra da música “Notícias do Brasil” do Milton Nascimento: “Ficar de frente para o mar , de costas para o Brasil não vai fazer deste lugar um bom país”. É completamente descabida a fala de Rui Costa que remete até mesmo ao período imperial, quando as elites agrárias da política café-com-leite (paulista e mineira) rebatiam as ideias mudancistas.

Favela Sol Nascente – Foto Reprodução

Quanto às demais falácias de que em Brasília vivemos em uma “ilha da fantasia”… não é possível que o ministro desconheça que a maior favela da américa latina fica a poucos quilômetros da Praça dos Três Poderes. E se ele não vê desempregados, e nem pessoas pobres embaixo dos viadutos de Brasília pedindo comida, quando for para o seu trabalho, fica a dica: abaixe os vidros do seu carro quando passar pela rodoviária, ali no final da Esplanada. Se quiser uma experiência melhor, pegue o transporte público da sua casa até a sua sala no Palácio do Planalto, como fazia a ex-deputada Heloísa Helena. Brasília só é uma ilha da fantasia para quem vive encastelado. Moro atrás do Palácio do Planalto, em uma Vila de 18 mil habitantes que tem pessoas de todas as classes sociais, a maioria pobre, filhos de operários candangos que construíram a capital,  como eu.

Lula e Rui Costa – Foto Reprodução/Redes Sociais

Não sou radical como os deputados distritais que protocolaram documento pedindo a sua demissão ao presidente Lula e nem lhe faltarei com o respeito como fez o governador de Brasília. Penso que sua fala contra Brasília foi gravíssima devido ao contexto em que vivemos, pois faz menos de seis meses que radicais de extrema  direita acamparam em Brasília e tocaram o terror na cidade, destruindo bens públicos e quebraram os palácios e obras de arte que compõem o nosso patrimônio arquitetônico e cultural. Gostaria apenas que reconheça o seu erro e peça desculpas aos brasilienses.

Brasília – Foto Renato Alves/Agência Brasília

Mais do que nunca, hoje é imprescindível que os brasileiros conheçam verdadeiramente e se orgulhem  da capital do país, que é reconhecida mundialmente por sua concepção urbanística inovadora. Esta cidade declarada Patrimônio da Humanidade que abriga brasileiros de todas as regiões do país. Para que as próximas gerações não repitam as cenas de ódio e vandalismos que vimos no dia 08 de Janeiro, fruto do desconhecimento, da ignorância e da “falta de sentimento de pertencimento”, que é reforçada por falas preconceituosas contra a nossa cidade.

Leiliane Rebouças é internacionalista e escritora, coordenadora do Movimento Guardiões de Brasília Patrimônio da Humanidade.

 

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