Graça, Indulto, Anistia

Ao tentar interromper a ação criminal contra o deputado Daniel Silveira, Jair Bolsonaro age como ditador. Fere o princípio da legalidade e invade a esfera do Poder Judiciário.

O deputado Daniel Silveira e o presidente Jair Bolsonaro - Foto Reprodução/Twitter

A graça concedida pelo presidente Jair Bolsonaro mediante decreto, ao deputado bolsonarista Daniel Lúcio da Silveira, ocupou quase todos os espaços da mídia nos últimos dias, por força do aspecto inusitado de que se reveste, e da politização de discussões que envolvem leigos, advogados e professores de direito.

Vamos aos fatos. Ao dar vasão a temperamento afeito à violência, por vontade própria, ou sob o comando de alguém, o deputado federal em questão desfechou violentos ataques contra o Supremo Tribunal Federal e o Estado Democrático de direito.

Com a polarização das candidaturas à presidência da República os ânimos estão em efervescência. Candidato à reeleição, Jair Bolsonaro dá repetidas demonstrações de fúria incontrolável. O pretexto é o sistema eleitoral, tido como suspeito e susceptível de fraude por S. Exa. e generais do seu círculo mais próximo. Os demais candidatos não se associam às críticas. Acreditam na imparcialidade da Justiça Eleitoral e na inviolabilidade da urna eletrônica, imune a invasões que poderiam influir nos resultados.

A Ação Criminal em andamento no Supremo Tribunal Federal, não está encerrada com a entrega total da jurisdição. Os magistrados examinaram os fatos e, por dez votos contra um, aplicaram ao réu pena de reclusão. Em momento algum foi afirmado que o STF violou o princípio constitucional do devido processo legal e não assegurou ao réu o contraditório e o pleno direito de defesa. Não se disse, também, que foram utilizadas provas obtidas por meios ilícitos. Não se arguiu a incompetência do STF (Constituição, Art. 5º, LIII, LIV, LV, LVI). Os votos estão fundamentado (Constituição, Art. 93, IX).

Estarte, sabe-se que o réu foi processado perante tribunal competente, que gozou das garantias constitucionais e legais antes de ser condenado mediante decisão não passada em julgado. Logo, permanece beneficiado pela presunção de inocência, amparado pelo disposto no inciso LVIII da Lei Fundamental, cujo texto diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penas condenatória”.

Pontes de Miranda, Sumo Pontífice dos constitucionalistas brasileiros, ensina que “O indulto só se pode conceder depois de passado em julgado a condenação” (Comentários à Constituição de 1946, Ed. Borsoi, RJ, Tomo III, 1963, pág. 118). Magalhães Noronha, mestre de várias gerações, em sintonia com Pontes de Miranda escreve no capítulo “Da graça e do seu processamento”: “Como o indulto e ao contrário da anistia, (a graça) só tem lugar depois de a sentença transitar em julgado, eis que se refere tão só aos efeitos executório-penais. Nenhuma influência tem sobre as consequências civis” (Curso de Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, SP, 1964, pág. 625).

A atual constituição, de 1988, é a sétima na história do Brasil

Como sabem os alunos das faculdades de direito, estes princípios fundamentais foram preservados e incorporados pela Constituição de 1988, com a divisão dos Poderes da República em três: Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, conforme prescreve o Art. 2º do Estatuto Orgânico da Nação.

Enquanto o julgamento de Daniel Lúcio da Silveira não se encerrar, permanece o deputado “debaixo de vara”, à espera de que se complete a prestação jurisdicional. Até então, salvo se se encontrar em prisão preventiva, não poderá ser preso, respondendo ao processo em liberdade. Não poderá, por outro lado, ser agraciado, indultado ou ter pena comutada, porque falta o trânsito em julgado.

Pontes de Miranda

Leciona Pontes de Miranda: “No mundo jurídico, todos os poderes são independentes e harmônicos: não se pode pensar em supremacia. No mundo fáctico, sim: ou porque um se eleve, por baixarem os outros, ou porque todos se elevem e um se eleve mais do que os outros – pode haver supremacia. A supremacia teórica do Poder Legislativo, no mundo jurídico, daria o Parlamentarismo. A supremacia do Poder Executivo, no mundo jurídico, mesmo que se trate do chamado regime presidencialista, seria ditadura disfarçada (….) (Comentários, Tomo II, pág. 338).

Ao tentar interromper a Ação Criminal em curso, Jair Bolsonaro age como ditador. Fere o princípio da legalidade e invade a esfera do Poder Judiciário. Não bastasse se solidariza com alguém que se prevalecendo do mandato de deputado federal, insulta o STF e ameaça o Estado Democrático de Direito.

O indulto e a graça são medidas discricionárias, como está dito na justificação do decreto. Não podem, contudo, violar os fundamentos da legislação constitucional e processual penal. Do leigo e do mentecapto tudo se pode esperar. Jamais, porém, de alguém que exerce a Suprema Magistratura da Nação.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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