Governo Bolsonaro: como medir o sucesso? – Questões a Gaudêncio Torquato

Presidente Jair Bolsonaro. Foto Orlando Brito

Em artigo Será que vai dar certo?, o professor Gaudêncio Torquato analisa o futuro do governo Jair Bolsonaro dentro de uma fórmula clássica da ciência política: as alavancas de Carlos Matus, mestre do planejamento estratégico situacional e ex-ministro de Salvador Allende, tendo cunhado a máxima de que governar é para políticos, que entendem de povo, e não para intelectuais, que entendem de livro.

Disse Torquato que, na análise de viabilidade de um governo, Matus aponta quatro eixos que ajudam a responder à pergunta do artigo: a) a viabilidade política; b) a viabilidade econômica; c) a viabilidade cognitiva e d) a viabilidade organizativa.

Gaudêncio Torquato. Foto Facebook

Torquato discorre sobre a primeira alavanca como “índole dos políticos e sua inclinação para aprovar ou desaprovar a agenda que provém do Executivo” e que isso “depende muito da capacidade de articulação do governo”. Para o professor, “eis um dos imbróglios que obscurece os horizontes”, pois “sob o argumento de que não se submeterá às práticas da “velha política”, o presidente Bolsonaro coloca imensa barreira entre o governo e a esfera parlamentar”. E prossegue: “a ponto de não se saber quem efetivamente é o responsável pela costura junto aos deputados e senadores, a própria base governista, formada por parlamentares de partidos que apoiam o governo, mais se apresenta como um amontoado sem rumo”.

Mas e no caso de um governo que se elegeu numa onda anticorrupção e antiestablishment, que pode, de um lado, encaminhar projetos à imagem e semelhança de sua ideologia para provar que segue firme com seus compromissos diante da base e, de outro, ganhar sempre: se aprovar, ponto, se não, culpa da “velha política”?

Um governo assim não precisa de uma base permanente para aprovar um projeto global, mas caso a caso conforme o afinamento ideológico dos parlamentares e estes, apesar de eventualmente derrotados, colherem que enfrentaram o Jogo de Brasília…. Um governo assim não se importa em tomar derrotas, cifradas como “recados”… Um governo assim alimenta-se do desgaste do parlamento, disputando o eleitorado conservador com a centro-direita tradicional usando a esquerda como espantalho para a opinião pública.

Para Gaudêncio, “a segunda viabilidade diz respeito ao escopo de dados e contextos econômicos alinhados sob a tese que se quer demonstrar”. Então, fala dos indicadores econômicos: “A recessão já dá sinais de que pode voltar (…). Se a reforma da Previdência não passar, não haverá dinheiro para pagar aposentadorias. Ao contrário, se as reformas passarem, inclusive a tributária, as projeções mudam de rumo”.

Escreve Torquato, “a viabilidade organizativa, que diz respeito ao conjunto de meios e instrumentos- ministros, estruturas e articulação política -, que podem influir para fazer tramitar a ideia de maneira rápida, criativa e eficaz. Ou, ao contrário, sem coordenação, o fracasso ocorrerá”.

Oras, então certo está dando: a reforma da Previdência, por exemplo, tem progredido dentro do prazo razoável, sem sequer chegar ainda a uma desidratação que ameace a economia inicial de 1 tri, apesar dos conflitos executivo x legislativo. Ademais, apesar das más notícias, o governo já possui os ingredientes para um storytelling favorável no campo econômico. A recessão leve do primeiro trimestre (-0,2%) coincidiu, no mesmo período, como superávit de R$ 6,6 bilhões do setor público e com a queda do desemprego para 12,5% (a primeira queda após 3 altas seguidas e ante 12,9% em 2018). E é preciso lembrar que no primeiro ano de mandato do ex-presidente Lula o PIB também caiu: 0,2%. Lula fez uma reforma previdenciária em 2003 e colheu 7,5% de crescimento “chinês” em 2010, quando concluiu seu segundo governo.

Torquato ensina que “o terceiro eixo que mexe na roda das reformas é o cognitivo”. Segundo ele, “se não houver amplo conhecimento por parte do corpo parlamentar sobre o que se debate, o compromisso com as matérias propostas será baixo. Da mesma forma, a sociedade carece ser bem informada sobre os temas a fim de que possa fazer pressão sobre os representantes”.

Todavia, e se o governo lançar mão, como tática, de uma simultânea abordagem de temas, para animar sua base e ocupar a opinião pública com as polêmicas da gestão, e discursos dúbios, primeiro radical para os mais fiéis, em seguida mais moderado para o eleitorado menos entusiasmado? Se a falta de informação em virtude deste firehosing (outra tecnologia da alt-right) for exatamente o ativo do governo para manter o ambiente, inclusive o parlamentar, confuso, a fim de atrair o povo para um reality show em vez de para um massante e excludente coworking tecnocrático, e confundir os indicadores de governabilidade?

Carlos Bolsonaro e as redes sociais.

Para o professor, “a comunicação do governo é falha. Há estruturas formais, um porta-voz general, redes usadas pelo presidente e seus filhos. A dispersão comunicativa desorienta. A ausência de um plano harmônico de comunicação é fator de balbúrdia”. Mas é o estado de “balbúrdia” num incessante golden shower, via comunicação direta para bolhas das redes sociais, que insuflou o clima das massas da nova direita até culminar nas manifestações de 26 de maio, cruciais para Bolsonaro espantar o fantasma de se tornar um “lame duck” ou costear o Impeachment.

Talvez para extrair uma tentativa de resposta para a pergunta que encabeça o texto do professor Gaudêncio Torquato seja necessário trocar a pergunta. Em vez de “será que vai dar certo?”, “o que precisa dar certo?” – para sabermos como medir. Algo que o governo professa, mas ninguém leva a sério é o que proponho como resposta: manter viva a chama da restauração cultural judaico-cristã de Bannon, e conservadora de Olavo de Carvalho. Ele está em busca da hegemonia em conceito gramsciano. E os indicadores recomendados são:

a) Bolsonaro se reeleger em 2022 (para isso, aprovar reformas e projetos pode ser pior do que não aprovar); ou
b) Bolsonaro levar a nova direita que aposta nele ao segundo turno ou à segunda colocação nas próximas eleições presidenciais, suplantando a centro-direita tradicional pela segunda vez (quiçá em definitivo) como preferência conservadora.

Os insights e perguntas deste artigo são interações sinceras com o professor, em busca também da tradicional clarividência dele

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