Em Istambul, eleição só vale se Erdogan vencer

Erdogan, o autocrata turco, engoliu as derrotas em Ancara e Ismir, mas não em Istambul. Exigiu, e a justiça local aceitou, decretar novas eleições e cassar o candidato eleito pela oposição.

Erdogan - Foto Ahmet Bolat/Anadolu

Em Istambul, a maior e mais cosmopolita cidade da Turquia, ganhar a eleição para a prefeitura local só vale para o partido do autocrata Recep Tayyip Erdogan, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), muçulmano e extremamente conservador. O pleito ocorrido em março deste ano, foi anulado na última segunda-feira (6) por determinação da justiça eleitoral, controlada por Erdogan.

Ekrem Imamoglu, do Partido Popular Republicano (CHP), secular e social democrata, que ganhou o pleito, foi cassado e não poderá concorrer a uma nova eleição, marcada para 23 de junho próximo. O partido de Erdogan havia perdido na recontagem de votos – que confirmaram a vitória da oposição com uma margem estreita de 13 mil votos – pedido pelo AKP, alegando irregularidades.

Istambul, não

O resultado foi considerado uma perda pessoal de Erdogan, que nasceu em Istambul, e fez sua carreira política na cidade, onde foi prefeito de 1994 e 1998. Líderes europeus criticaram no dia seguinte (7) a anulação da eleição em Istambul. Há anos os turcos pleiteiam entrar na União Europeia, mas a atitude de Erdogan contribui para deixar essa adesão cada vez mais distante.

Além de Istambul, a oposição ganhou em Ancara, a capital administrativa da Turquia, e Izmir, considerada bastante liberal. Erdogan, contudo, não admite perder em Istambul pelo peso simbólico que esta cidade tem em toda a Turquia.

A partir de Istambul, as margens do Bósforo – no passado a capital do Império Bizantino, com o nome de Constantinopla, e depois capital do Império Turco Otomano, extinto após a primeira guerra mundial – Recep Tayyip Erdogan começou sua ascensão ao poder quase absoluto em todo o País.

O autocrata turco pertence a essa safra de populistas de extrema direita e extrema esquerda que se espalhou por toda a Europa e o mundo a partir do início deste século. É o tipo de regime no qual um líder desse naipe ganha a eleição e depois vai solapando aos poucos todas as instituições democráticas do país.

Na Turquia de Erdogan, já não existem independência entre os poderes e imprensa livre, sem os quais a democracia é só aparência. Eleição só é legítima se o partido que está no poder ganhar.

Aumento da repressão

Após uma tentativa de golpe em 2016, Recep Erdogan iniciou uma larga repressão sobre todos os suspeitos de participarem do levante, como faz Maduro na Venezuela. Mais de 100 mil servidores públicos e militares foram demitidos e mais de 50 mil pessoas de todos os setores da sociedade estão presas, esperando julgamento de uma justiça dominada pelo autocrata.

De acordo com a oposição, cerca de 5 mil acadêmicos e 33 mil professores escolares ficaram sem seus empregos. A Plataforma para o Jornalismo Independente, uma ONG local, afirma que 150 jornalistas foram presos após a revolta. Em 2017 a própria imprensa estatal informou que cerca de 2 mil pessoas foram condenadas à prisão perpétua.

Erdogan acusa o clérigo muçulmano moderado Fethullah Gulen, que vive exilado nos Estados Unidos, de estar por trás da tentativa de golpe. Gulen – um ex-aliado de Erdogan – é o líder do Hizmet.

A organização, presente em mais de 160 países é classificada de terrorista pelo governo turco, que os persegue em todo o lugar. Os seguidores do Hizmet, porém, asseguram que o movimento é pacífico e seu foco principal é a tolerância religiosa, a educação e projetos assistenciais.

Ministro Edson Fachin. Foto Orlando Brito

Na semana passada o ministro do STF, Edson Fachin, determinou a soltura do comerciante turco Ali Sipahi, preso após o governo turco pedir sua extradição ao Brasil. Sipahi é membro do Centro Cultural Brasil-Turquia – que o governo turco acusa de estar ligado ao Hizmet -, vive em São Paulo há doze anos e tem um filho nascido aqui. O porta-voz do Centro Cultural, Kamil Ergin, afirma que cerca de 300 turcos como Sipahi vivem refugiados no Brasil.

Alianças além-mar

O líder turco faz parceria com Vladimir Putin, da Rússia, e Nicolás Maduro, que dispensa apresentações. Além de Cuba, Rússia e China, ele dá sustentação ao regime venezuelano recebendo ouro extraídos de minas controladas por militares. A Turquia é a maior exportadora de joias do mundo, uma arte desenvolvida desde antigos turcos otomanos.

A oposição turca pediu a revogação do mandato de Recep Erdogan. Afirma que as mesmas falhas que o partido AKP alegou para anular a eleição municipal ocorreram nas últimas eleições nacionais em 2018.

O partido CHP e analistas internacionais acreditam que Erdogan fará tudo o que puder para ganhar a nova eleição em Istambul, inclusive apelando para irregularidade. Em pouco mais de um mês saberemos.

* Luís Eduardo Akerman é jornalista e analista de política exterior. Ex-editor de Internacional do Jornal de Brasília.

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