É isto ciência?

A culpa maior é do mandatário que desprezou a "gripezinha" e, agora, não consegue providenciar os imunizantes que os brasilianos precisam. Mas, diante da ausência de um governo central, os edis, como o de Belo Horizonte, devem estabelecer critérios justos e claros para a dramática lista da vacina contra o coronavírus

Primo Levi, autor de "É isto um homem?"

Tenho em mãos o livro de Primo Levi, um dos quatro únicos sobreviventes, dentre 650, que foram com ele deportados em 1944 para o campo de concentração em Auschwitz. A obra-prima “É Isto um Homem?” descreve e analisa os horrores do nazismo. Embora distante no tempo e nas circunstâncias, o título me veio logo à cabeça ao me deparar na segunda-feira (15/02/21) com “A Fila do Imunizante”, publicada no “Estado de Minas”, primeiro caderno, p. 10.

Não parece seguir critério algum o que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) está fazendo na imunização de sua população contra o temido Sars-Cov-2. Ao contrário, a lista sugere que critérios vão sendo criados e seguidos consoante o poder de pressão e impressão que momentos de pânico como os hoje vividos produz em cada um de nós, combinados – evidentemente – à única certeza que todos agora possuímos: o Brasil não providenciou por compra ou produção autóctone vacinas em número suficiente para imunizar toda a sua população. E centenas e mais centenas de milhares vão morrer.

Isto é reconhecido por todos que viram o desprezo com que o Presidente da República, atleta e sarado (diz ele próprio acerca de seu preparo físico), tratou no início e continua a tratar essa “gripezinha” que começou na distante China em fins de 2019 e que até este momento já dizimou pouco mais de 238 mil brasileiros (dados de domingo de Carnaval), além de ter provocado inúmeros efeitos colaterais subsequentes ao contágio naqueles que se salvaram. Sequelas físicas e emocionais – afirmam os especialistas. Contornáveis ou incontornáveis, perenes ou capazes de serem curadas, se e quando o sobrevivente puder se valer de especiais cuidados médicos.

Além da saúde, os que não pegaram a covid-19 vivem muitos isolados, meio-isolados, afastados de tudo e de todos, escondidos em suas casas ou encafuados em seus apartamentos – isso os que podem se dar ao luxo de não sair de casa – como eu. Como eu, estamos sendo obrigados (talvez doravante até o fim dos dias de cada um) a usarmos estas máscaras que a mim me sufocam, portadora que sou de enfisema pulmonar, mercê dos anos e anos de cigarrinho entre os dedos, tentando pensar e atuar neste mundo tumultuado em que nasci, já que eu, vim ao mundo em 1944 (ano da deportação de Primo Levi), em plena Guerra Mundial, embora eu tenha visto a luz pela primeira vez no Hospital São Lucas em Belo Horizonte, apartamento 46, 2º andar, leio na então firme letrinha de minha mãe, seguida das especificações rigorosas de um pai, juiz de direito, que, em letra firme também, anotou para a posteridade: “Foi registrada no Cartório Civil da Rua Tupinambás, nº 257. Livro nº…, pagina…”

É, serei – se sobreviver – uma das vacinadas no nono lugar da “Fila do Imunizante”, pois acabei de fazer 77 anos de idade (boa de cabeça e doente dos pés, cantaria o sambista!). Sim, faço parte dos “idosos de mais de 75 anos de idade”, embora eu me assuma como velha mesmo, e, portanto, uma das possíveis vítimas do maldito vírus, a menos que o destino me poupe para eu poder sufragar nas urnas em 2022 alguém que não repita este governo desembestado, cultuador da morte, prisioneiro dos maus costumes de trocentos séculos atrás, quando, por exemplo, meninas estupradas (geralmente por seus pais, parentes ou amigos da família) deveriam dar à luz a robustos bebês sem pai, autênticos Filhos da Mãe, que me perdoem todas as mães solteiras, que eu as respeito muito, até demais da conta…

Na falta de vacinas para todos, nossos eminentes governantes vão criando listas e sublistas que já me puseram pra ser vacinada em 2º lugar, logo depois dos trabalhadores da saúde diretamente em contato com a covid, e agora, bem na rabeira, embora fique ainda melhor colocada que o mundaréu de mendigos e moradores de rua, amontoados nas ruas laterais do Parque Municipal, vizinhos, portanto, da “Área dos Hospitais” de Belo Horizonte, até há bem pouco tempo em frente ao IPSEMG, hospital dos servidores estaduais que eu tanto frequentei quando menina, acompanhando mamãe que, esposa de juiz de direito, lá ia fazer tratamento de tireoide no começo dos anos 50 do século passado.

A Suprema Corte do Brasil, instância máxima do Judiciário – Foto: Orlando Brito

Não tem pé nem cabeça os critérios científicos com que a PBH elaborou essa lista de vacinação, digo eu, como soem fazer os Ilustríssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Desafio a que os encarregados dela provem nas páginas daquele jornal que estou redondamente enganada e que, tanto do ponto de vista numérico quanto científico, merecem mesmo receber a vacina antes de mim todos os que ali estão listados. Ou que pelo menos reconheçam que merecem ser antes vacinados os que foram relegados à 15ª posição como estão sendo colocados os presos que vivem amontoados nas “masmorras” brasileiras.

Aguardo resposta.

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