José Antônio Severo recorreu às suas três paixões – História, Jornalismo e Cinema – para escrever seu último livro: Além do grito – A grande aventura épica do surgimento da Nação brasileira, publicado pela editora JÁ, de Porto Alegre.
Além das movimentações oficiais – debates, manifestos, declarações e visitas – registradas nos livros históricos, Severo registra ângulos inusitados, que dão um condimento mais humano à aparentemente insossa maré dos acontecimentos.
Vejamos uma cena do quinto capítulo:
“Rio de Janeiro: Para refinada festa, abrem-se os salões da exuberante residência do Alto da Boa Vista do Embaixador da Rússia, Georg Heinrich Von Langsdorff, naturalista famoso. Ao piano, um instrumento moderno, a princesa Leopoldina dedilha um lieder de Mozart, acompanhada pelo marido, Dom Pedro, ao clarinete. O futuro imperador do Brasil e de Portugal teve esmerada formação musical. Além de clarinete, toca fagote, trombone, flauta e violoncelo. Tem voz forte e afinada… (Será autor do Hino da Independência, em parceria com o poeta Evaristo da Veiga). E às vezes, num sarau da aristocracia, mostra familiaridade com o violão, um instrumento estranho em ambientes sofisticados”.
Relatos guerreiros
Escritor apaixonado por relatos guerreiros – como demonstrou em sua grande obra, na qual retrata as principais batalhas ocorridas no Sul da América do Sul entre 1770 e 1870 -, Severo assim descreve aquela que ele considerou “a mais estranha batalha” da guerra da Independência do Brasil, travada nos mares da Bahia:
“Os líderes do movimento, coordenados pelo vigário da paróquia, padre Francisco Gomes dos Santos, passaram parte da noite preparando o contra-ataque. Pela manhã, com a baixa da maré, a canhoneira ficou inerte, sem poder se mover, pois era muito pesada para o baixio. Então os cachoeirenses atacaram por todos os lados com uma centena de canoas tripuladas por homens armados. Contra as canoas, os canhões não tinham utilidade, pois elas estavam muito próximas, abaixo da possibilidade de mira dos artilheiros. A abordagem era iminente. Os marinheiros perceberam que haveria um massacre. Renderam-se, foram aprisionados e jogados nos porões da Câmara dos Vereadores, onde funcionava a prisão local”.
Pegando carona na luta baiana, Severo conta outra historinha muito interessante, a de Maria Felipa de Oliveira, a Marisqueira, catadora de crustáceos e frutos do mar em Itaparica. Comandando outras oitenta mulheres do mesmo ofício, boas nadadoras e mergulhadores, ela teria atacado barcos portugueses. “Incendiou seis canhoeiras ou pequenos navios de apoio”. Além disso, acrescenta Severo, Maria Felipa e suas amigas “atacavam marinheiros inimigos borrifando-os com um líquido feito de folha de cansanção, uma planta que provocava, em contato com a pele, uma sensação horrível de queimadura e uma comichão insuportável”.
O autor do livro admite que não existem registros históricos dessas tais belicosas sereias baianas até mesmo porque “a burocracia dos partidários de Dom Pedro Itaparica não era organizada”. Mas essa historinha, levantada pelo historiador Ubaldo Osório Pimentel, é boa demais para ser descartada do livro por um jornalista que amava todas e quaisquer historinhas.
Jornalista talentoso
José Antônio Severo, falecido em setembro do ano passado, aos 79 anos, teve uma trajetória profissional brilhante em veículos como Veja, Realidade, Exame, Estadão, Gazeta Mercantil e nas tevês Globo e Bandeirantes.
Gaúcho de Caçapava do Sul, cresceu no campo e sempre lembrava saudoso da infância vivida na fazenda da família. Formou-se na Escola Técnica de Agricultura de Viamão e foi essa sua graduação que lhe garantiu o primeiro emprego na área de comunicação: escrever boletins sobre temas rurais para a Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul.
Passou depois pelo Jornal do Dia, veículo católico da capital gaúcha, de onde seguiu em 1964 para São Paulo, a fim de estagiar no Estadão, que em seguida o contratou. Trabalhou ainda na famosa revista Realidade e na revolucionária Folha da Manhã, de Porto Alegre. Em 1979, foi trabalhar no Jornal da Globo, do qual foi um dos fundadores. Foi colaborador d’Os Divergentes, onde publicou 334 artigos.
A experiência com a televisão o aproximou mais adiante do cinema. Foi produtor e roteirista de Os senhores da guerra, filme dirigido por Tabajara Ruas. Além do Grito, como dissemos antes, foi seu último trabalho, muito rico em informações, movimentado e de leitura agradável e escorreita, como tudo que produziu. O livro, já à venda na Editora JÁ e na Amazon, será lançado em Brasília no dia 19 de novembro, no Sebinho da 406 Norte.