Gaúcho de Passo Fundo, eleito pelo estado de Sergipe, o Delegado da Polícia Civil Alessandro Vieira (PPS) representa bem a renovação do Congresso. Aos 43 anos, chegou ao Senado já provocando polêmica ao apresentar requerimento para instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação dos tribunais superiores, conhecida como CPI da Lava Toga. Na primeira tentativa, três senadores atendaram a pedido de ministros do STF, retiraram a assinatura na última hora e evitaram a instalação da CPI. Logo depois do carnaval, ele promete reapresentar o requerimento com novo fatos a serem investigados e espera obter o apoio necessário para criar a comissão entre os senadores de primeiro mandato. Em entrevista exclusiva a Os Divergentes, ele afirma que “vários fatos relacionados à atuação do ministro Gilmar serão, sim, objetos da CPI”. (veja vídeo).
Alessandro Vieira faz criticas ao projeto anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro, mas diz apoia-lo. Contrário à redução da maioridade penal, ele defende mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aumentando para 12 anos o tempo de internação de menores que cometem crimes graves.
Os Divergentes – Logo após o carnaval o Sr deve apresentar um novo requerimento para a criação da CPI batizada de “Lava Toga”. O que muda nesse novo requerimento?
Alessandro Vieira – Temos a renovação do requerimento num novo formato, com mais fatos apontados. No primeiro apontávamos 12 fatos, nesse vamos apontar uma quantidade maior. Estamos num processo já bastante aprofundado de conversa com os colegas parlamentares e tenho certeza que depois do carnaval a gente começa o processo de coleta e poderemos, em breve, apresentar esse novo requerimento, porque é uma demanda da sociedade e ela precisa ser atendida pelo Senado.
Os Divergentes – Quais são esses novos fatos que estão sendo apontados pelo requerimento. Poderia citar alguns?
Alessandro Vieira – Nós temos problemas de ordem operacional, ou seja, porque demora tanto a tramitação de uns processos e outros são tão facilmente tramitados, tem resposta tão rápida? Por que você tem divergência tão profunda entre entendimento da própria Corte e a posição de alguns ministros para alguns casos, não para todos? E problemas que são mais de mérito e podem configurar o cometimento de crime de responsabilidade. Quando a gente fala dessas duas linhas de atuação, a gente está seguindo exatamente aquilo que o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que era possível fazer numa CPI quando analisou isso no final da década de 90. É indispensável que a gente faça essa propositura, é indispensável que o Senado instaure essa CPI, porque é através dela que a gente vai conseguir fazer uma analise e trazer transparência para as cortes superiores brasileiras.
Os divergentes – Tem alguns senadores que estão sendo investigados pelo STF. Acha que vai conseguir o número de assinaturas suficientes para instalar essa CPI?
Alessandro Vieira – Primeiro a gente tem uma vantagem estratégica: a renovação que o eleitor fez garantiu que o número de investigados caísse muito e, segundo, a demanda da sociedade normalmente se impõe a eventuais receios pessoais individuais. A CPI é um direito da minoria, também conforme definição do próprio Supremo Tribunal Federal. Então, bastam 27 assinaturas. Eu tenho certeza que nós temos muito mais que isso em termos de senadores e senadoras com coragem e com ética suficiente para poder tocar essa missão.
Os Divergentes – Recentemente foi noticiado que o ministro Gilmar Mendes estaria sendo investigado pela Receita Federal. Agora, parece que é a Receita que está sendo investigada pelo Supremo. Isso poderia vir a ser analisado numa eventual CPI?
Alessandro Vieira – O que pode ser algum ponto avaliado pela CPI é um eventual desvio de conduta por parte do ministro. Ao Senado Federal, conforme a Constituição, cabe processar e julgar ministros do Supremo no caso de quem tem responsabilidade. Então, se algum fato cometido pelo ministro Gilmar ou por qualquer ministro pode ter a configuração de crime de responsabilidade, cabe sim apurar em CPI. Essa situação especifica da Receita tem muitos fatos que não foram ainda trazidos à tona. Não se sabe tamanho da investigação, se existiu investigação. O que nós temos é uma versão quase que unilateral do ministro Gilmar na condição de suposto investigado. E esse não é um ponto que possa servir de início para uma investigação séria, você precisa ter mais informações. Mas temos vários fatos relacionados à atuação do ministro Gilmar que serão sim objetos da CPI.
Os Divergentes– O Sr foi eleito pela Rede, que foi enquadrada pela cláusula de barreira na eleição de 2018 e deve perder tempo de TV e dinheiro do Fundo Partidário, mas antes da posse filiou-se ao PPS. Os dois partidos irão mesmo se fundir? Como andam as conversas?
Alessandro Vieira – O PPS tem agora, dia 23 de março, um congresso extraordinário onde vai tratar de mudança de nome e mudança de manifesto. Pretende adotar uma linha mais de centro e de posição independente com relação a projetos de eventuais ocupantes do executivo. O PPS abriu as portas para os movimentos de renovação, o movimento Acredito, do qual eu faço parte, mas também o Agora e outros movimentos. A Rede vai passar seguramente por uma reestruturação, que pode resultar nessa fusão ou pode resultar na permanência do partido de uma forma muito pequena. E sem os recursos que o não atingimento que a cláusula de barreira vai impor, ou seja, sem tempo de TV e sem os recursos do Fundo Partidário, você vai ter muita dificuldade pra montar um projeto de eleição para 2020, onde tem as eleições municipais. E quem defende, como eu defendo, uma renovação política de verdade, tem que ser uma renovação de um grupo político e não pode ser de uma pessoa.
Nunca tive um projeto individual de ser eleito pra qualquer cargo. Não tinha sequer filiação partidária. Nunca tive nenhum tipo de militância nesse sentido. Então meu objetivo é fazer um grupo e viabilizar cada vez mais pessoas independentes, autônomas que possam ingressar na política.
O PPS abraçou essa ideia, viabilizou essa situação e a gente espera que os dois partidos possam caminhar juntos como já estão juntos aqui no Senado.
OS Divergentes – Qual a sua posição e do seu partido em relação ao governo Bolsonaro?
Alessandro Vieira – A posição é de total independência e analise dos projetos caso a caso. A gente tem, por exemplo, criticas e restrições ao Ministério da Educação. A visita do ministro à Comissão de Educação foi muito pobre, muito pouco efetiva. Da mesma forma a visita da ministra Damares. São ministros que trazem uma carga ideológica que supera e se sobrepõe a parte técnica dos ministérios, e isso é muito ruim. Mas,por outro lado, a gente recebeu o Roberto Campos Neto, indicado para o Banco Central, o Tarcisio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, e eles mostraram uma capacidade técnica elevada, um conhecimento muito grande da situação e geraram uma expectativa positiva. Aquilo que é positivo vai ser recepcionado, vai ser apoiado, sem nenhum tipo de vinculação com cargos, com emendas ou qualquer coisa do velho fisiologismo. É independência mesmo.
Os Divergentes – O Sr atuou muitos anos como delegado da Polícia Civil de Sergipe e tem grande conhecimento da área de segurança pública. Como avalia projeto anticrime enviado ao Congresso pelo ministro Sérgio Moro?
Alessandro Vieira – O projeto em geral é um conjunto de boas medidas na área de repressão qualificada, mas não é um projeto de segurança pública. Tá muito longe disso. Ele ataca apenas um pedaço do problema, que é a repressão. Ataca de forma técnica, na maior parte dos seus pontos, mas ele deixa de lado a parte de prevenção e ele também não trata a parte de ressocialização do sistema prisional. Sem atacar essas duas pontas, esses dois extremos, você tá bem longe de resolver qualquer problema de segurança pública. É importante, e o ministro certamente vai fazer essas correções ao longo da trajetória, trazer mais situações. E mais do que trazer apenas iniciativas do Executivo, visualizar, identificar e valorizar as iniciativas que já estão no Legislativo. Então vários pontos indicados pelo ministro Sérgio Moro em seu pacote já tramitam na casa. Seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado. E é muito mais inteligente você identificar esses projetos, você abraçar e valoriza-los, do que você querer inventar a roda. Acho que assim você junta mais pessoas como aliados e consegue ter resultados legislativos mais rápidos. Mas na grande maioria, no essencial, eu me alinho e apoio as medidas que estão sendo sugeridas pelo ministro.
Os Divergentes – O Sr é contrário à redução da maioridade penal e favorável a uma mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Qual seria essa alteração?
Alessandro Vieira – A gente está desenhando um projeto e está exatamente fazendo esse trabalho de pesquisa pra ver o que tem na casa tramitando. Não gosto da ideia de fazer retrabalho e querer inventar de novo o que já está em andamento. Então estamos buscando aquilo que já está tramitando para ver como faz a adaptação. Qual é a nossa concepção, que é baseada na experiência profissional que eu tenho e qualquer análise séria pode chegar a essa mesma conclusão? Se você simplesmente reduz a maioridade penal, você vai tá jogando no presídio uma massa de gente nova, violenta e absolutamente irresponsável. Você vai tá dando mão de obra barata para as facções criminosas. É isso que você vai fazer se fizer a redução. Então, a redução pura e simples não chega nem perto de resolver problema nenhum.
O que a gente propõe, e não é inovação, salvo engano tem um projeto antigo apresentado pelo Alckmin, que foca numa revisão do ECA. Hoje como está, o ECA limita o tempo de internação a no máximo três anos. Você não pode admitir que um jovem que tenha praticado um homicídio, um latrocínio, ou que seja um criminoso contumaz fique apenas três anos internado. É muito pouco. Então a gente defende que tenha uma ampliação nesse tempo de internação. E que esse adolescente, que é violento, seja internado apartado dos demais porque o processo de ressocialização dele é muito mais difícil que dos outros. Você tem vários jovens cometendo pequenos furtos e que também estão no mesmo sistema.
O obstáculo que o Executivo coloca pra isso, por isso que o Brasil por muito tempo ficou viciado em buscar soluções meramente legislativas, é o custo. Mas segurança pública custa caro mesmo. Tem que ter presídio adequado pra todo mundo, tem que ter unidade de internação adequada pra todo mundo. Não adianta fugir disso. Qualquer outra solução que saia disso é ficção. Se você sair para um processo de desencarceramento porque não tem vaga, você está apenas devolvendo pra sociedade gente violenta e que não foi ressocializada. Vai piorar. Temos que cuidar do problema em todas as suas etapas. Tem que ter prevenção, que passa por educação, por assistência social e por ação policial militar ostensiva; tem que ter repressão qualificada, reforçada para que o criminoso efetivamente seja identificado, punido, possa ser condenado. O número de condenações no Brasil é muito baixo quando se faz correlação com o número de crimes praticados. E depois de condenado, esse cidadão tem que ser ressocializado. Tem que ter oportunidade de voltar pra sociedade em condições de ser uma pessoa produtiva, bem integrada, enfim, não violenta. Hoje nós não temos nada disso funcionando. A prevenção é extremamente esquecida, nós temos uma repressão insuficiente e a parte de ressocialização e encarceramento é um absurdo. É um caos total. Se não compreender o problema como um todo e não ataca-lo, você não está fazendo nada, só enxugando gelo.