– Olá, este é mais um podcast IdealPolitik, especialmente para Os Divergentes. Nesta semana, vamos falar de sexo e drogas. Ou melhor: da proposta da ministra Damares Alves sobre abstinência sexual entre jovens e a do ministro Paulo Guedes sobre o “imposto do pecado”.
Sexo: atenção às pessoas, não à disputa de padrões de sexualidade
– O governo federal prepara uma campanha chamada “iniciação sexual não precoce”, com foco em pessoas entre 10 e 18 anos.
– O psiquiatra Jairo Bouer, ouvido pelo jornal Folha de São Paulo, classificou a iniciativa como inócua e irresponsável. Para ele, “Ninguém consegue impor abstinência ao outro. As pessoas decidem iniciar a vida sexual quando têm desejo e quando estão preparadas”.
– O que Bouer diz é uma romantização. Cada pessoa inicia a vida sexual de forma única e, muitas, sem orgasmo, com violência física e moral, dicas ideologizadas e/ou duvidosas – à direita e à esquerda – de internet, princípios religiosos e pornografia.
– Então, qual o benefício de se iniciar precocemente a vida sexual? Ainda mais quando a educação sexual segue um tabu longe de ser resolvido pela política, porque a atenção não está nas pessoas, mas na disputa dos padrões de sexualidade.
– Com tanta informação disponível, a AIDS continuar a crescer e a gravidez não planejada a gerar carne cara de gente pobre em açougues clandestinos. Os bares, boates e tinderes estão tomados por legiões de pessoas ansiosas e inseguras atrás de sexo e afeto. Dizer que o ápice da juventude é transar é uma futilidade existencial tanto quanto denunciar imaginárias “mamadeiras de piroca” e “kit gay”.
– Essa história de que primeiro tem que resolver a renda, depois a educação formal, parece com quem não dava esmola nos anos 70 para não atrasar o suposto “processo revolucionário”; convertido, nos dias atuais, para o “não dou esmola” porque isso é um caso de políticas públicas. Ad hoc, os fatos seguem ocorrendo. E a compaixão apropriada pela perspectiva de poder.
– Escolher como e quando transar é uma dimensão do Amor Livre, que não quer dizer poliamor, mas a opção consciente e igual entre as partes por um tipo de relacionamento. Nisso também se inclui a abstinência. Como ensinou John Nash, um problema pode ter várias soluções. Em diálogo, um casal de jovens pode se autoconhecer em profundidade e interagir em profundidade sobre sexo.
– O que não pode acontecer é que seja sonegado à juventude as informações disponíveis, o contraditório à proposta do governo, e o acesso a métodos contraceptivos, assim como tratamento para DSTs e para a gravidez não planejada. Polarizar este assunto só serve para rebaixar o debate sobre sexualidade ao fla x flu esquerda x direita.
Drogas: a polarização embriagada
– Em Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs o “imposto do pecado”, isto é, o aumento da tributação sobre bebidas alcoólicas e cigarro. Esclareceu que a medida focava no impacto do vício de hoje sobre o sistema de saúde de amanhã, para desestimulá-lo.
– Guedes está errado? Não é também uma forma de tratar a dependência química como saúde pública? Ou se quer que, antes, a pessoa, supostamente livre, aprisione-se no vício?
– Sobre o tabagismo, felizmente, o silêncio basta, em virtude do êxito alcançado na redução de afetados por medidas regulatórias e campanhas de conscientização. Então vamos falar de álcool.
– E falando de álcool, Guedes está é recuado. Poderia propor colocar em prática nos bares, mercados e lojas de conveniência, o que os médicos dizem que é o consumo relativamente seguro – poucas doses de destilado ou de fermentado, por comanda ou nota fiscal – adicional às restrições já impostas a qualquer entorpecente no volante. Não faria mal, como no Chile, vedar o consumo de álcool no meio da rua.
– Não precisa de programa na TV para ninguém ser estimulado ao alcoolismo quase como uma condição para rito de passagem entre as fases, alegrias e tristezas da vida; para se associar a padrões de sucesso, conquistar aceitação e pertencimento em grupos, a começar pela própria família, que é a primeira que incentiva e a primeira que sofre quando a doença se instala. Para não falar que o álcool está amalgamado a todos os tipos e casos de violência, sem o monopólio da esquerda ou da direita. Não é a ideologia que define quem cai ou contorna o vício.
– A cena brasileira, em paralelo, é marcada pela desigualdade, pelo cada um por si, pela radicalização ideológica, pela violência política, pelos faróis da ostentação e lacração. O que tende a acontecer com os egos das pessoas se lhes forem tirados a inibição, os freios morais, o senso de perigo?
– Sem que saibamos, decisões políticas muito ruins foram tomadas por líderes bêbados ou sob efeito de ressaca e abstinência, marcados pela irritação e impetuosidade desmedida. Ouso até dizer que a sociedade violenta que somos é alimentada por sermos uma civilização alcoolizada. “Ah, que conservador! Veja o samba, a ciranda a boemia como são lindos!” Mas vá conhecer a fundo a história dos famosos e anônimos envolvidos…
– A proposta de Guedes subiu no telhado, barrada pelo próprio presidente da República por dois motivos óbvios: 1) ele mesmo é um produto da cultura do álcool (para o que não é necessário ser um bebedor) e, claro, não vê problemas numa “inocente cervejinha”, a porta de entrada do alcoolismo fulminante; 2) Ao contrário de árvores, o álcool vota, por meio das pessoas induzidas a se curvar aos pés dele e por meio do seu poderoso lobby junto aos políticos.
– Em vez de chiliques de autoridades com outro lobby, o da cannabis – sim, a indústria do álcool e do tabaco não jogam mais sozinhas neste tabuleiro econômico – se somos uma sociedade permissiva ao uso de drogas, todas com efeitos colaterais, deveríamos discutir é quais tipos seria melhor usar; que drogas transmitiriam estímulos socialmente menos negativos.
– Sobre estes assuntos que tratamos aqui, se tiramos o petista, bolsonarista, lavajatista, globalista e os papéis sociais da frente e enxergarmos as pessoas, é possível construir uma outra política e soluções sem ter que previamente aderir a pacotes ideológicos. Pela simples interação humana.
– Acompanhe a próxima temporada dos nossos podcasts. Neste 2020 eleitoral de apocalipse luminoso, vamos discutir conjuntura em profundidade.
– Time is politics