O ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, defendeu a emissão líquida da dívida para aumentar investimentos, gastos em saúde, educação e segurança como estímulo à retomada do crescimento da economia. “Por quê? A economia está bem abaixo do seu potencial e a taxa de juros caiu”, disse Barbosa em sua conta do Twitter.
E acrescentou: “A opção de mudar o teto para aumentar investimentos e preservar programas sociais beneficia exatamente os mais pobres, sem necessariamente gerar ataque especulativo, se for acompanhada das reformas estruturais necessárias na tributação e na folha de pagamento da União”.
Como está ocorrendo uma queda da taxa básica de juros, o custo de financiar o aumento do investimento público via dívida é menor. “Se o investimento for bem direcionado, e isso é crucial, podemos recuperar o crescimento mais rapidamente, com aumento da produtividade”.
Quebrar o teto ou quebrar o piso
Nelson Barbosa critica a atual estratégia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de aprofundar o ajuste fiscal, como publicado aqui n’Os Divergentes, com a estratégia do governo de ”quebrar o piso” de gastos e aprofundar o arrocho fiscal em 2020. “Sabem que tudo tem limite. Também querem flexibilizar o teto de modo envergonhado, reclassificando despesas como extra-teto”.
“É melhor reconhecer o problema, sem espantalhos e/ou hipóteses mágicas. Toda a estratégia econômica tem riscos e benefícios. A opção de ‘quebrar o piso’ concentra o risco nos mais pobres, que são os mais afetados pela lenta recuperação”, disse.
Barbosa concorda com Paulo Guedes sobre a importância da reforma tributária e administrativa, coisa que vem defendendo desde 2018. Acha até mesmo que as duas deveriam tramitar no Congresso em um único Projeto de Emenda à Constituição.
“Como sempre o maior desafio é político: construir consensos sobre uma estratégia de reforma fiscal mais progressista do que o ‘terrorismo de mercado’ em curso. Mas isso não virá da ideologia econômica da equipe do atual Governo. Se houver saída, ela virá do Congresso”.
O que fazer?
Abaixo, a transcrião dos principais tópicos de avaliação da conjuntura econômica que levaram Barbosa a defender estas medidas de estímulo à retomada da economia. São eles:
- O Brasil vai completar três anos de crescimento em torno de 1% e isso não pode ser creditado só a recessão.
- A recessão de 2014/16 ainda tem efeito hoje, pois há grande ociosidade nas firmas, elevado desemprego e aumento da informalidade no mercado de trabalho. Neste contexto, é difícil que firmas e famílias aumentem seus gastos mesmo em um contexto de redução de Selic.
- A política econômica de Temer-Bolsonaro também explica parte da lenta recuperação, pois temos contração fiscal desde 2017, a Selic demorou para cair e houve contração do crédito público em cima de um grande corte já realizado em 2015.
- O cenário internacional mudou para pior a partir de 2018 e isso tem impacto sobre nosso crescimento. A guerra comercial EUA versus China e o colapso da Argentina também explicam parte de nossa lenta recuperação.
- O cenário institucional interno continua ruim, com a judicialização da política e politização da justiça. Na economia, isto se reflete em lentidão para resolver questões jurídicas e regulatórias, que, por sua vez, atrasam investimentos públicos e privados.
- Temos incertezas políticas, com novidades da Clã Bolsonaro que têm efeitos sobre decisões econômicas e também atrasam a recuperação.
- O que chama a atenção é a longa estagnação após uma grande recessão. Em episódios anteriores a recuperação foi bem mais rápida.
- Uma das causas da lenta recuperação foi a lentidão da queda da Selic. O BC parou o processo de queda de juros em 2018 devido à greve dos caminhoneiros (ok) , mas poderia ter retomado a redução no final de 2018.
- Mas para ser justo com o BC, os erros Ilan-Campos (Ilan Goldfajn-Roberto Campos Neto) não foram o maior problema, pois eles podem ser corrigidos com redução mais rápida da Selic no restante desde ano e início de 2020. O problema maior foi do lado fiscal, onde o governo abortou a recuperação em 2017.
- O grau de estimulo à política fiscal é medido pela variação do déficit estrutural, e não pelo seu nível. Por exemplo: a economia pode estar com déficit e ainda assim a política fiscal pode ser contracionista se o déficit estiver caindo.
- O déficit estrutural vinha caindo desde 2017; em outras palavras, temos um impulso fiscal negativo de aproximadamente 0,7% do PIB por três anos seguidos.
- Teoricamente a contração fiscal em curso poderia ser compensada pelo aumento do gasto privado. Essa é a hipótese da contração fiscal expansionista. Com ajuste fiscal, a Selic pode cair (aconteceu) e o gasto privado subir mais rapidamente (não aconteceu).
- Até meados de 2018, a maioria dos defensores do dreadteam de Temer usava a contração fiscal expansionista como argumento para defender o ajuste fiscal mais rápido. Baseado no que Krugman (economista Paul Krugman) chamou de fada da confiança, diziam que a recuperação ocorreria mesmo com arrocho fiscal. Já se passaram 3 anos e fica difícil que a fada da confiança vá nos salvar.
- E o que é a hipótese “band vigilantes”? Que uma flexibilização fiscal será punida rapidamente pelo mercado via ataque especulativo, com aumento de juro e câmbio. Possível? Sim. Provável? Depende de como for a flexibilização fiscal.
- Que alternativas? Uma regra fiscal que tenha definido o gasto corrente e libere o investimento. Que tenha cláusula de ajuste automático de despesas em caso de déficit excessivo. E cláusula de escape (flexibilização fiscal) em caso de recessão.
- A mudança da regra fiscal não impede que outras reformas estruturais sejam feitas, como as reformas tributária e administrativa. Na verdade, as duas podem ser feitas ao mesmo tempo em uma PEC única, como tenho defendido desde 2018.
- E enquanto os neoliberais de jardim de infância desviam a discussão na “casa dos economistas”, o Congresso já debate alternativas. No senado, a PEC do senador Jaques Wagner libera o investimento do teto de gasto no valor de até 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) previsto na lei orçamentária.