No Distrito Federal o crime de grilagem e invasão de terras públicas compensa. É essa a conclusão que chegamos após a aprovação do PL 2776/2020, de autoria da deputada Flávia Arruda, cujo relator foi o senador Izalci Lucas. A proposta desafeta áreas da Floresta Nacional de Brasília diminuindo o território em 43%. A justificativa é a de garantir a regularização fundiária de uma grande invasão na área de proteção ambiental. Só não lembraram de incluir no pacote de “bondade” uma forma de garantir o futuro hídrico da região.
A Flona, criada em 1999, possui uma área de 9.346 hectares constituindo um cinturão verde que preserva mananciais da APA do Descoberto e o Parque Nacional de Brasília. Nessa unidade de conservação, administrada pelo Instituto Chico Mendes (ICMBIO), estão as nascentes que irrigam as duas maiores represas que abastecem o DF: Descoberto e Santa Maria. Aproximadamente 60% da água que atende as famílias no Distrito Federal é fornecida pelo Descoberto. Devido a ausência de fiscalização, nos últimos anos, ocupações desordenadas e predatórias afetaram parte da Floresta, comprometendo a preservação ambiental na região.
Para quem não lembra, entre 2016 e 2018, o DF enfrentou uma gravíssima crise hídrica. Nesse período, o Descoberto registrou o menor índice da sua capacidade total de abastecimento, 5,3%, resultando na obrigatoriedade do racionamento de água por parte da população. Para minimizar essa situação, o Lago Paranoá foi utilizado para abastecer parte dos moradores.
Segundo especialistas, há previsões de novas crises nos próximos anos com impactos ainda mais graves para o DF e região. A captação de águas do Paranoá e a inauguração da barragem de Corumbá IV, após investimento de 500 milhões dos cofres públicos e com atraso de mais de uma década, não garantem o fim das vulnerabilidades. O colapso hídrico deu-se em função de um conjunto de fatores, mas as autoridades parecem não levar em conta esse risco, mesmo após os alertas de quem conhece o assunto.
Entre os fatos que mais contribuíram para a crise hídrica, destacam-se o crescimento da população, aliado a ocupação desordenada do território, e o desmatamento da vegetação nativa do cerrado, essencial para a infiltração da água no solo que abastece os mananciais. Há também, de acordo com ambientalistas, a possibilidade de que o clima na região fique ainda mais árido, aumentando ainda mais o período de estiagem, tão comum nessa época do ano, reduzindo ainda mais o volume nos reservatórios.
Mesmo cientes dessa tragédia ambiental anunciada, nenhum dos parlamentares do Distrito Federal se prestou a defender a Flona e impedir que quase metade do seu território fosse reduzido para satisfazer a sanha de especuladores imobiliários e grileiros de terras. Apenas dois senadores, um do Amapá, Randolfe Rodrigues, e outro do Ceará, Cid Gomes, se manifestaram contrários ao projeto, mostrando todo o seu comprometimento em preservar o meio-ambiente, não importando se aqui em ou em seus estados.
Já os representantes do DF, que deveriam ser os primeiros a impedir esse desastre, revelaram não ter qualquer compromisso com a qualidade de vida da população. São os verdadeiros “exterminadores do futuro” regularizando invasões a toque de caixa, “passando a boiada”, sem uma discussão mais aprofundada e sem que as consequências desse projeto fossem avaliadas junto à população.
E ainda teve quem se orgulhasse na imprensa por contribuir com esse crime contra o futuro da nossa cidade, destruindo 43% da flora, da fauna e das nascentes do nosso cinturão verde.
Os nossos filhos e netos que pagarão o preço desse descalabro e da omissão dos nossos representantes no Congresso Nacional.