O senador Omar Aziz agiu com a energia que dele se esperava ao dar voz de prisão a trapaceiro. O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, não poderia permanecer ileso após mentir descaradamente aos integrantes da CPI da Covid. Deveria dormir pelo menos uma semana encarcerado, antes que benevolente pagamento de fiança o colocasse temporariamente em liberdade.
A Lei nº 14.124, de 10/3/2021, que dispõe sobre medidas excepcionais para compra de vacinas e de insumos, elaborada às pressas sob a pressão da pandemia, despertou o apetite da escória, sequiosa de enriquecer rapidamente, a qualquer custo.
Depoimentos, gravações e documentos, colhidos pelos integrantes da CPI, revelaram a atuação de civis, de servidores públicos e militares, acusados de envolvimento em manobras para ganhar milhões, com a compra de vacinas de procedência duvidosa.
Procuraram se prevalecer da displicência do ex-Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, para receber propina de US$1,00 por dose. Algo em torno de R$ 400 milhões.
A situação de calamidade pública impedia a utilização da Lei nº 8.666/1993, sobre Licitações e Contratos da Administração Pública. Exigiam-se, portanto, cautelas redobradas na compra de imunizantes. Depoimentos à CPI revelaram o contrário. Somatório de incompetência, negligência, má-fé e cumplicidade, produziram escândalo como nunca se presenciou no interior do governo.
A lei, dizia o coronel pernambucano Chico Heráclio (1885-1974), “é como cerca: quando é forte a gente passa por baixo; quando é fraca a gente passa por cima”. No Ministério da Saúde passava-se por cima e por baixo.
Os comandantes militares se irritaram com a frase do senador Omar Aziz. S. Exa. criticou, pontualmente, o lado obscuro das Forças Armadas. Inexistem instituições humanas virgens, puras, imunes ao pecado. Por assim ser, no Getsêmani, antes da traição de Judas Iscariotes, Jesus ensinou aos discípulos: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. Na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.”
As provas recolhidas pela CPI da Covid indicam que, na Esplanada dos Ministérios, houve falta de vigilância e de oração. Ou, que os interesses da saúde pública foram entregues a falsos profetas travestidos de ovelhas, sinistros devoradores de dinheiro público.
Quanto às ameaças do presidente Jair Bolsonaro, de restaurar com roupagem nova o anacrônico regime militar, ignorando a Constituição, deve S. Exa. admitir que não reencarna o presidente Castelo Branco e que 2021 não guarda semelhança com 1964. Teremos eleições livres em 2022, sob a vigilância interna do Poder Judiciário, da imprensa livre e da sociedade civil, e externa da OEA, da ONU, da comunidade democrática internacional.
O presidente Jair Bolsonaro, supremo mandatário da Nação, precisa observar a liturgia do cargo. Fica-lhe muito mal ofender jornalistas encarregados da difícil tarefa de entrevistá-lo e invadir honestas residências com palavras fétidas de baixo calão. Estou convencido de que ministros militares e civis que o cercam, sentem-se constrangidos com as expressões chulas que S. Exa. usa para injuriar membros do Legislativo e do Judiciário, quando se manifestam em defesa da ordem jurídica, do processo eleitoral e da Constituição.
Sem poder contar com ajuda externa, o Brasil enfrenta problemas de extrema gravidade. A economia, a geração de energia, a saúde, o transporte público, o saneamento básico, a moradia, o meio ambiente, o mercado de trabalho e os salários estão em crise. A floresta amazônica é alvo de incontrolável devastação. Vencida a pandemia, graças à vacina, serão exigidos esforços redobrados para se reencontrar o caminho do desenvolvimento, em clima Encerro com a advertência do apóstolo Paulo aos Gálatas, adequada ao momento que atravessamos: “É para a liberdade que Cristo vos libertou; permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis cair novamente no jugo da escravidão”.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho