O Rei pode não estar nu, mas quase. Em francês temos a expressão apropriada: emmerdé. Uma anedota vem à mente. Um domador de leões de circo, num daqueles dias em que o animal volta a ser animal, atacando-o. Apavorado o domador mete as mãos na cueca e passa as fezes na cara do leão, assustando-o.
Amigos bolsonaristas, não necessariamente terraplanistas ou obscurantistas, regozijam-se com as surpreendentes imagens reveladoras de outra faceta do dia 8 de janeiro. Refiro-me aos bolsonaristas convencidos de que as eleições foram fraudadas (primeiro e segundo turnos). Eles aproveitam as manchetes para zoar o governo, sugerindo outra fraude. Antes, aos fatos.
Nada poderia complicar mais, em momento tão delicado e de tantas indefinições (nas políticas interna e externa), que os vídeos comprometedores. Já havia desconfortos a cada desatino de um presidente confusamente professoral. Disparates de Lula eram reproduzidos pelos leguleios e puxa-sacos da Corte.
E daí surge uma bomba no meio da desordem, a matéria da CNN-Brasil na qual funcionários do governo transitam amigavelmente junto com golpistas naquele 8 de janeiro.
As imagens até agora interditadas oficialmente deixam claro que os eventos do dia 8 de janeiro precisam ser investigados, agora com um vetor intrigante: a presença de funcionários e do ministro o GSI, o general Gonçalves Dias, na cena do crime. Uma presença curiosa e estranha, não por estarem lá (é o local de trabalho deles) num domingo (nada anormal), mas pelo comportamento amistoso com apertos de mão e oferta de água mineral aos vândalos.
Muitas questões devem ser respondidas não somente pelo general e pelo capitão, ali presentes entre os invasores, dóceis e educadamente a abrir portas aos criminosos. Há que se averiguar a teia dos envolvidos. Antes, algumas observações.
Não é crível a anuência de Lula com a invasão dos três poderes em Brasília, da mesma forma que não parece aceitável Bolsonaro ter envolvimento direto com o assassinato de Marielle (2018), ou de Lula na morte de Celso Daniel (em janeiro de 2002, coincidentemente), ou de algum grupo de esquerda no atentatório contra Bolsonaro, em 2018.
Agora que a CPI do golpe parece incontornável, os brasileiros terão a oportunidade de saber mais sobre as justificativas do caráter secreto dos vídeos; quais as informações Flávio Dino e outras autoridades tinham dos fatos anteriores e posteriores à invasão; o que os funcionários do GSI fizeram ou poderiam ter feito. William Waack, sugerindo ausência de heroísmo, esperava, ao menos, um “socorro na cara” do general. Piada?
Lula não deve temer a verdade, pois até agora as absurdas ideias conspiratórias da extrema direita bolsonarista, segundo as quais o 8 de janeiro foi orquestrado pelo governo, facilmente caem por terra, não resistindo ao menor esforço lógico à luz dos fatos. Tratou-se de um movimento previamente organizado e financiado por setores reacionários já identificados, muitos já presos. Então restam muitas questões a serem respondidas sobre o 8 de janeiro.
Muitos chicoteiam o general Gonçalves Dias por estar no Palácio em pleno domingo, tendo lá chegado quase duas horas antes da invasão. Não há dúvidas sobre a lealdade do militar a Lula. Desmerecer o currículo do general, sua promoção a general de divisão por Lula, não tem sentido e parece algo abjeto. Ele e o major do Exército José Edvaldo de Paula Pereira serão decisivos para elucidar e ligar alguns pontos. Com certeza ambos terão esmiuçadas suas redes de comunicação, principalmente durante o ocorrido.
Enquanto as investigações dos depredadores prosseguem, e até que se tenha uma CPI instaurada, temos que afastar os argumentos conspiracionistas chulos e aqueles que operam a inversão dos fatos. Ou vamos ter que engolir absurdos tais quais os que afirmam que o 8 de janeiro nada teve a ver com bolsonaristas, pois nessa narrativa estapafúrdia, petistas fantasiados de bolsonaristas seriam os protagonistas do golpe dia 8 de janeiro de 2023.
Na mesma lógica enlouquecida das fake news que movem os crentes na fraude e na “armação” do golpe (contra quem mesmo?) não vai demorar muito para se acreditar que a Ucrânia é que invadiu a Rússia.
Cuidado. Há muitos leões e ienas no circo do zoológico ornitorríntico.