O ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, fez uma robusta defesa da democracia e das conquistas civilizatórias e humanitárias da Constituição de 1988 ao comemorar seus 6 anos à frente do Supremo. “Fora da Constituição, acima da Constituição, contra a Constituição há somente desertores da democracia”, disse Fachin, em evento feito pela internet que teve a presença da ministra Rosa Weber, juristas, acadêmicos e de palestrante gaúcha, professora Judith Martins Costa, e do jurista alemão Jan Peter Schmdt.
Para Fachin “agora, mais que antes, as instituições democráticas e a sociedade legitimamente cobram, com cada vez mais vigor, melhores serviços públicos e mais eficiência das instituições.”
O ministro fez referência às consequências da pandemia na vida das pessoas no Brasil, mundo afora, e seus desafios à frente do STF. “Seis anos emolduram presentemente uma evocação de memórias tanto recentes quanto mediatas. Há mais de um lustro atravessamos esse Rubicão. Olhávamos antes uma aparente planície de conflitos jurídicos suscetíveis de pequenas descargas elétricas; nada obstante, foram erupções vulcânicas no direito contemporâneo destes últimos anos, nas Cortes constitucionais deste tempo, nas próprias relações sociais e, até mesmo, na compreensão da individualidade”.
Fachin também enfatizou que, a partir de 2020, a topografia tradicional do “ordenamento jurídico foi erodida pela crise das crises, e assim a superfície material e procedimental da normatividade jurídica mostra sulcos interrogantes que a força dos fatos pandêmicos cavou. Nesse chiaroscuro, o nosso Direito Civil, essa catedral de significados, também foi abalroado, quer nos direitos da personalidade, quer no direito dos contratos, quer nas titularidades, bem como nas empresas, nas famílias e nas sucessões.
Nada, a rigor, que assombre as mentes e corações destinados a arrostar tempestades. Assim se deu nas famílias jurídicas romano-germânicas ocidentais, uma travessia de tradição e movimento”.
A constitucionalização dos direitos no século pretérito, segundo Fachin, equivale ao que, na astronomia, corresponde à teoria heliocêntrica e superação do antigo sistema ptolomaico. “Sem embargo, essa travessia não tem um porto seguro para ancoragem. Admitamos, de uma parte, que as Constituições contemporâneas se tornaram livros do desassossego. De outro lado, a contemporaneidade se vê diante de um universo jurídico infinito.
Os regimes jurídicos emergenciais na pandemia traduzem a perplexidade, à perfeição, na tragédia e no luto, explodindo todas as perspectivas. Enfim, metaforicamente, também no universo jurídico, descobriu-se que o sol, a rigor, é apenas uma das inúmeras estrelas, não ocupa o centro que, aliás, parece sequer existir. Orbitamos, pois, entre inquietações e múltiplos desafios, agora próximos à inteligência artificial e à superação do antropocentrismo”.
“Com, então, manter a unidade do sistema na pluralidade sistemática, como dar coerência a um universo de múltiplos sóis e planetas normativos espalhados sem rígida hierarquia por um mundo jurídico infinito? Eis apenas uma das interrogações que faz a mutação constante de fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais. Ambiente desafiador, mutável e imprevisível sonha por estabilidade, segurança e fidelidade, e toma como corrimão a metodologia do pensamento e da interpretação.
O hardware do cognominado mundo jurídico compõe uma base da estabilidade e permanência possíveis, mas o software se altera aceleradamente. A catraca cultural, muito referenciada nas obras do professor Sidarta Ribeiro, nos empurrou com força aos computadores e à internet”.
“Antes lento, viscoso e travado, o fluxo das informações tornou-se a nova caverna de Platão, capturada pelos usos febris de Facebook, Instagram, Twitter, blogs, vlogs e uma “fábrica desgovernada de narrativas. Se não olharmos juntos para o abismo à frente, os riscos de colapsos se tornam reais”, disse Fachin.