Nós, jornalistas, o mercado, o establishment político e econômico, somos imediatistas. Na narrativa predominante, o primeiro, maior e mais desastroso impacto da crise provocada pelo quase rompimento entre os presidentes da República e da Câmara seria o naufrágio da reforma da Previdência – ao menos na forma enviada ao Congresso pelo ministro Paulo Guedes, com sua conta de R$ 1 trilhão de economia. Mas as conversas de bastidores das últimas horas indicam que haverá Previdência, ainda que desidratada, reduzida, minimalista. O perigo mesmo é o que virá depois.
Mesmo modesta, focada sobretudo na idade mínima, e sem prever a capitalização, a reforma que sair do Congresso desafogará um pouco o laço fiscal, dando sensação de que a (sobre) vida vai seguir na economia. O que não se sabe é como sobreviverá o sistema político diante da guerra de titãs que se desenhou nos últimos dias, e quem ficará vivo.
Jair Bolsonaro vem mostrando que só funciona na lógica do conflito, que continua sendo seu principal instrumento político mesmo depois de eleito. Haverá bombeiros e panos quentes na relação com Rodrigo Maia, e é até possível que voltem a conversar. Mas não haverá mais concordância. A tentativa do presidente de grudar Maia à chamada velha política, inclusive à prisão de seu sogro, Moreira Franco, e os ataques de seus seguidores ao deputado nas redes estilhaçaram a louça. Não tem mais conserto.
Só que Maia tem muito mais apoio no Congresso do que Bolsonaro. Até o partiddo do presidente, o PSL, anda costeando o alambrado, para lembrar uma expressão do velho Brizola. A aprovação de uma Previdência à imagem e semelhança do que quer o Congresso – e não a área econômica – moldará uma base parlamentar, que será de Maia e outros, não de Bolsonaro.
Depois dessa fase, é possível que a palavra impeachment volte a rondar na Câmara dos Deputados. Não é uma solução simples, e nem provável hoje. Mas já vimos esse filme outras vezes, embora não queiramos ver de novo.
Ainda que isso não ocorra, teremos um presidente apartado da maioria do Congresso, que se ofende tanto quanto Maia ao ser carimbado como velha política e se ofende mais ainda por não receber os recursos de emendas, cargos e outras compensações. Esse pessoal terá nas mãos a agenda política, como acontece no presidencialismo à brasileira. O orçamento, a reforma tributária, os projetos. Pode, se quiser, dar um nó e imobilizar o governo.
É possível que, já nesta semana, Bolsonaro tenha um aperitivo do estado de ingovernabilidade que o ameaça se o Congresso votar decreto legislativo revogando sua decisão de suspender vistos para americanos, canadenses e japoneses entrarem no Brasil. Também a medida provisória que reestruturou o governo está pendurada na espada de Dâmocles de deputados e senadores. Vai passar mais três anos e nove meses assim?
Prisioneiro do próprio discurso, Bolsonaro ainda tem como voltar atrás e recompor um pouco, pelo menos ao nível de um comportamento civilizado, as relações com Maia, Centrão e companhia. Mais adiante, vai ficar impossível.E impossível é também prever o que vai sobrar.