Foi direto, como um juiz rigoroso, mas também o jogo estava ficando violento e desequilibrado. Não parecia o desempenho de uma equipe organizada e que tinha grandes responsabilidades pela frente. O desafio era criar um inovador programa de ação social em benefício da população brasileira, que em sua quase maioria está em dificuldades, na miséria, desde a proclamação da República. Como curiosidade, ninguém sabia ainda o que seria o tal programa, quanto envolveria em recursos e quando sairia do papel, porque sequer do papel ainda não tinha saído.
Mas o nome já tinha. E todo mundo conhecia. Só não imaginavam o que poderia ser. Era pomposo e promissor, em tese: Renda Brasil. Esse o grande programa que o governo iria lançar, mas logo mudou de ideia. Isso porque altas autoridades do governo exageraram na divulgação e disseram que para ajudar o torto, teria que prejudicar o aleijado. Seria tomar de um pobre e passar para outro mais pobre. E a imprensa a divulgar tal pretensão como escândalo. O presidente esbravejou e avisou que ninguém mais no governo poderia falar em Renda Brasil, algo que a partir daquele momento desaparecia. Quem quiser pode falar em Venda Brasil, Tenda Brasil, Senda Brasil, Lenda Brasil, Fenda Brasil, qualquer Brasil, menos o da Renda. Que aliás o país não tem.
O mistério permaneceu porque ninguém descobriu quem poderia ter sido atingido pelo Cartão Vermelho, e o presidente também não revelou. Achou que seu recado tinha sido bem entendido. Dois assessores especiais, na reunião quase ministerial que discutira o assunto, insistiram em dizer que não estiverem presentes. Em termos oficiais, ninguém havia levado cartão nenhum. Ninguém se identificou, ninguém dedurou, o presidente não especificou. A confusão se estabeleceu também porque Cartão Vermelho se aplica no futebol, para punir o jogador faltoso, com a expulsão do campo. Em governo com capitão no comando também se utiliza para exonerar quem desobedece o presidente. O Ministro mais importante, o da Economia, não fez cerimônia: disse logo que não recebeu Cartão Vermelho e pronto.
Toda a confusão é porque o governo dizia querer ajudar a população. Com um programa que lhes proporcionasse alguma renda, uma ajuda para sobreviver à crise. Havia o programa do governo anterior, o Bolsa Família, mas o atual queria fazer outro muito melhor. Não fez e acabou adotando o antigo, criado pelo presidente petista sócio de empreiteiros. Mas surgem dúvidas. Poderia o atual se assenhorar de uma iniciativa do governo passado? Não teria de pagar direitos autorais? Não estaria trazendo o presidente do passado, adversário, para divulgação no presente? Para a população, Renda Brasil e Bolsa Família devem ser praticamente a mesma coisa. Pouco para distribuir para muitos. O Brasil não tem renda e a família não tem bolsa, porque nada haveria para nela colocar.
Está instalada uma dúvida e uma aposta na população. Quem já recebeu, ou quem receberá primeiro o Cartão Vermelho do juiz e presidente Jair Bolsonaro? Qual terá sido o erro cometido por tal personagem? Falou de mais ou falou de menos? A raiva presidencial pode recair sobre um auxiliar dos mais destacados, ou deverá ser de um escalão inferior? Acolher o projeto de um governo anterior, do qual é figadal adversário, não prejudica a imagem de um atual presidente pretensioso? A expressão Renda Brasil não ficará um pouco desacreditada? Ou será o reconhecimento de um período realista deste gigantesco país? É o nosso Brasil, sem renda.
— José Fonseca Filho é Jornalista