A entrevista de Ciro Gomes ao Jornal Nacional na noite da última terça-feira não serviu apenas para revelar um candidato mais suave e menos “palavroso”, pra usar uma expressão dita pelo próprio. Mas, principalmente, para marcar a diferença entre ele e os demais candidatos. Ciro mostrou que conhece o Brasil e seus problemas e que tem propostas para resolve-los. Se vai conseguir, aí é outra história. De todo modo, sua postura se contrapõe a dos dois principais adversários que estão bem a frente nas pesquisas, Lula e Bolsonaro, mais focados em atacar um ao outro.
A cada pleito todos os candidatos, mesmo aqueles que sabem que vão disputar a eleição para a presidência da República, como Lula – candidato desde 1989 -, só apresentam seus programas de governo na última hora e com a campanha a pleno vapor. Regra geral um documento protocolar, com algumas propostas alinhavadas a partir do viés político do partido ou da própria pessoa. Alguns desses planos acabam por nunca sair do papel. O governante chega ao poder com propostas improvisadas. É comum chegar ao Congresso projetos mal-acabados.
Este é o ponto que diferencia Ciro Gomes dos demais candidatos. Conhecedor dos problemas do país, político experiente, o ex-governador do Ceará se debruçou sobre as principais questões que atrapalham o desenvolvimento e criou um programa de governo completo, consolidado no livro Projeto Nacional: Dever da esperança, lançado em 2020.
As propostas visam a retomada do crescimento, o financiamento de uma renda mínima para as famílias mais pobres, a recuperação do parque industrial brasileiro e a geração de empregos. As propostas são exequíveis? Talvez nem todas, mas traz o debate eleitoral para o que ele deveria realmente ser: um espaço para que os políticos apresentem suas propostas para o desenvolvimento da nação, e não em um ringue onde os adversários travam uma verdadeira guerra santa, como estamos vendo acontecer este ano.
O mais grave é que não são apenas os candidatos que têm conduzido o debate eleitoral por esse caminho torto. Os próprios eleitores – os mais prejudicados com a situação caótica do país – estão mais interessados em brigas e picuinhas do que em discutir como tirar o Brasil da situação na qual ele se encontra. Com certeza boa parte do eleitorado jamais se preocupou em conhecer as propostas dos candidatos. Uns por idolatria, outros por ódio ao adversário.
Claro que os dois candidatos mais beneficiados atiçam ainda mais a disputa. Eles retroalimentam essa guerra santa na qual se transformou a eleição deste ano, replicada nos estados. É a competição do bem contra o mal, de Deus contra o Diabo, da esquerda contra a direita, Lula contra Bolsonaro. E os reais problemas do país? Bem, isso fica pra depois. O importante para esse tipo de eleitor, que infelizmente parecer ser a maioria, é que o adversário perca as eleições. O voto não será decidido pela razão, mas pelo amor ou pelo ódio.
Para os bolsonaristas ou os que odeiam o PT de forma cega, não interessa que o programa de Bolsonaro inexista. Que o governo tenha sido um desastre e que atual presidente tenha concentrado toda sua energia, desde o início do mandato, em criar brigas com os poderes e tensões políticas o tempo inteiro. O fundamental é que Lula não volte ao poder.
Por sua vez, para os petistas fanáticos, os escândalos de corrupção envolvendo as principais lideranças do PT, Lula inclusive, não passam de perseguição política – ainda que eles estivessem no poder quando as denúncias vieram à tona -tanto Mensalão quanto Petrolão. Essas narrativas não passam de meras criações da CIA, do governo americano, do Sérgio Moro.
E para quem odeia Bolsonaro, os escândalos envolvendo o PT fazem parte do passado. Agora o discurso é de que é preciso “evitar um mal maior”, que seria a reeleição do atual inquilino do Planalto. Assim, o debate vai se apequenando e os problemas vão mais uma vez ficando em segundo ou terceiro plano.
Por isso que todas essas bobagens em torno de questões religiosas vão sendo estimuladas pelos dois lados. Não por acaso a primeira-dama Michele Bolsonaro tem entrado com força total na campanha do marido, com um discurso radical. Já o PT, visando obter apoio do eleitorado evangélico, cada vez mais numeroso, entra na onda. Semana passada, por exemplo, a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann, postou nas redes a seguinte frase: “Bolsonaro usa Deus, e Deus usa Lula”, alimentando essa guerra santa que tomou conta do debate.
Pela nossa Constituição o estado é laico, religião é escolha pessoal de cada um, decisão de foro íntimo. Portanto, não cabe num debate que se pretende sério, que vai decidir o futuro de uma Nação. Em um país com 33 milhões de famintos discutir religião na campanha eleitoral é até uma heresia.
O Brasil parecer ter entrado em looping nos últimos anos onde o fanatismo político impera. Como bem disse Ciro Gomes ao JN, “é insanidade repetir as mesmas coisas e esperar um resultado diferente”. Pois é, ele tem razão. Uma pena!