A inclusão da cobrança de imposto sobre patrimônio é a condição para uma frente de parlamentares de esquerda aprovar a reforma tributária que tramita na Câmara dos Deputados. Em entrevista a’Os Divergentes, o deputado do PT do Paraná, Enio Verri, disse que nunca houve uma entendimento tão amplo entre os parlamentares para aprovação da reforma.
A única divergência fica por conta da necessidade de tributar mais o patrimônio e a renda do que o consumo, como ocorre no resto do mundo. Os consumidores pagando menos impostos podem consumir mais estimulando a demanda na economia.
Enio Verri acha muito difícil que a atual política recessiva de Paulo Guedes, ministro da Economia, possa fazer o País crescer apenas pela mão do setor privado, embora reconheça que no longo prazo o Governo poderá obter equilíbrio das contas públicas. O preço será um grande sacrifício da população, que continuará sem emprego e renda. “Guedes trata equilíbrio fiscal às custas do aumento da miséria”, avalia.
Verri faz crítica a Paulo Guedes pela pouca experiência acadêmica e na administração pública, mas reconhece que o Governo conseguiu baixar a Taxa Selic para o patamar mais baixo da história e com inflação controlada. Só que isto pouco ajuda a tirar a economia do buraco.
A solução para o Brasil voltar a crescer está no receituário keynesyano, cujo diagnóstico une hoje os economistas do PT e do PSDB. O deputado petista acredita que, sem políticas de estímulos fiscais do Governo, a economia não voltará a crescer tão cedo, mesmo com a redução das taxas de juros da Selic, uma vez que os banqueiros têm o monopólio do preço do crédito aos empresários.
Ele criticou a decisão do ministro da Economia de esterilizar R$ 59 bilhões de recursos públicos no déficit primário em 2019, dinheiro arrecadado do BNDES e do pré-sal. Os recursos poderiam ter sido destinados a programas sociais, o que aumentaria o consumo e poderia alavancar o crescimento.
Enio Verri, 58 anos, é professor de economia na Universidade de Maringá (PR) e tem título de mestrado e doutorado em economia. Foi secretário de Planejamento do Paraná e teve uma passagem pelo Ministério do Planejamento no primeiro Governo do ex-presidente Lula.
Veja a seguir os principais pontos da entrevista:
Os Divergentes. As medidas econômicas de Paulo Guedes estão no rumo certo? O País pode voltar a crescer?
Enio Verri. Acho muito difícil, pelo menos no curto prazo você arrumar o País com políticas recessivas. Este é um aspecto importante. Se você pegar a composição do Produto Interno Bruto (PIB), que é o gasto do governo, mais investimento das empresas, consumo das famílias, importação menos exportação. Se o nosso crescimento é esse, não existe gasto de governo. Não existe por conta da emenda constitucional 95, que congelou o teto, e não existe pelas políticas características do ministro da Economia, que este processo visa diminuir o tamanho do estado o máximo possível. Um país subdesenvolvido e grande como o nosso, o gasto do Governo tem um papel motivador gigantesco na economia. Você tirá-lo deste papel, você enfraquece muito qualquer possibilidade de crescimento do PIB.
E o investimento do setor privado?
As empresas reagem de acordo com o mercado. Se há aumento da demanda, as pessoas estão comprando, eu invisto. Se eu não sinto segurança no curto prazo, porque eu vou comprar um equipamento, vou dobrar minha produção, vou contratar mais funcionários, se não tenho demanda? Hoje é o contrário, o empresário está demitindo.
Mas o governo diz que está havendo redução do desemprego?
É importante ressaltar que este crescimento do emprego tem que ser olhado atrás da aparência. A maior parte dos empregos são informais, chamados empreendedores. Muitos são contrabandistas. Vão no Paraguai comprar besteiras para vender. Estes, portanto, não são empreendedores, são desempregados. Há um aumento formal, só que a reforma trabalhista criou a figura do trabalho intermitente. Eu, por exemplo, trabalho 40 horas em uma empresa e ela me demite e contrata dois trabalhadores com a vaga de 10 horas cada um. Teoricamente cresceu cem por cento o emprego. Tinha um empregado, agora tem dois. Só que o salário médio pago cai. A renda média cai. É por isso que os dados mostram que milhões de brasileiros estão vivendo com R$ 413,00 por mês. Na verdade, há uma aparência de estar aumentando o número de pessoas ocupadas, mas, na realidade, a renda média cai. Se o aumento de renda média cai, não tem consumo. Consequentemente, as empresas não se sentem motivadas a investir. Por fim, o consumo das famílias. Se não há renda das famílias, não há consumo. Mesmo quem tenha um salário um pouco melhor, vai pensar. Minha esposa está desempregada. Se só eu ganho, ou que ganho é só para pagar as contas. Se sobrar tenho que guardar, pois amanhã posso estar desempregado. Assim, não há como acreditar que as políticas adotadas pelo Governo possam motivar o crescimento da economia.
A reforma da Previdência não ajuda melhorar o cenário para investidor?
Os analistas dos bancos diziam que a reforma da previdência era tudo para o Brasil voltar a crescer. Hoje, eles dizem que é um bom começo, mas não é o suficiente. Agora, esta proposta da carteira verde amarela que vai reduzir em 22% o custo da folha. Claro que é bom para o empresário, mas isso aumenta a demanda? As empresas vão reduzir o custo da folha tirando direito da população que trabalha. Você está reduzindo a capacidade de consumo da população, logo a economia não vai crescer.
Que instrumentos poderiam ser adotados para estimular a economia, já que o Governo está com déficit fiscal e dívida elevada?
Vou dar um exemplo. Este ano aprovamos um déficit primário de R$ 139 bilhões para o Governo. Com receitas adicionais que entraram no caixa do Governo, o Tesouro vai gastar R$ 80 bilhões. Ora, R$ 59 bilhões que sobram poderiam ser investidos em política social, que gerariam emprego, demanda, e poderiam fazer a economia crescer. Isso não é opinião minha. Um cara chamado John Maynard keynes já escreveu isto. Em momento de crise o estado é indispensável, porque a participação da iniciativa privada na formação do PIB é insignificante.
O governo está errando na mão?
Esta proposta de teto de gastos, emenda constitucional 95, fazer esta política voltada ao setor financeiro e ao mercado como um todo, de fato, daqui a 10 anos vai resultar em uma situação de equilíbrio. Temos que ser honestos nisso. Só que em dez anos vão sobrar quantos habitantes neste País? A realidade é que o custo social da política econômica que o Governo está fazendo é gigantesco. A economia não cai crescer nestes dez anos, haverá um imenso custo social e as contas serão equilibradas na frente. Mas é esse o objetivo de Governo? Se esse fosse o objetivo de banco, é natural. Do Governo, não. Por isso você ouve hoje economistas distintos como André Lara Resende, como Armínio Fraga, que têm escrito artigos dizendo que temos um problema social gigantesco. Não há como tratar de equilíbrio orçamentário às custas do aumento da miséria. Como consequência, não voltaremos a crescer.
A equipe de Paulo Guedes deveria usar os poucos espaços fiscais que tem com criatividade?
É papel do economista em momentos graves de crise como este pensar em soluções criativas. É isso que um governo ultraliberal como o de Paulo Guedes não consegue enxergar. Não é um acadêmico. Não tem histórico de professor. Normalmente, para ocupar um pasta como esta é preciso ser um acadêmico consolidado, que já teve cargos na gestão pública. Ele nem é pesquisador e não teve cargo na gestão pública. Ele é o típico representante do mercado financeiro cuidando da economia brasileira. Então, ele pega o Chile como modelo. O Chile tem 18 milhões de habitantes, enquanto o Brasil mais de 200 milhões. São outros parâmetros econômicos.
Do ponto de vista da política monetária, os juros nunca foram tão baixos, mas não estão produzindo efeitos sobre a demanda.
Claro que não. Quando você trata uma economia só pela lógica das taxas de juros, nós chamamos isso no mercado de você fazer reformas todas, baixar os juros, e a fada do investimento vai chegar. Ela não vem. Mesmo com taxa de juros de 5% indo para 4,5% , você tem previsão de inflação de 3%. A taxa real é de 1,5%, baixíssima. Nunca tivemos juros assim. Nem sabemos como administrar um taxa tão baixa como essa. Mas isso não é suficiente para fazer com que o empresário capte recurso no mercado e invista. Primeiro, porque ele não sente confiança, segundo não tem mais o BNDES, que foi destruído, ele não tem linha de crédito de longo prazo para garantir o investimento. O banco privado, neste momento de oligopólio de três grandes bancos privados e dois públicos, as taxas de juros aplicados por eles não têm nada a ver com Selic. A Selic pode ser muito baixa, mas quanto do mercado está sendo praticada. Hoje, na Comissão de Finanças da Câmara, estavam em uma audiência com o secretário da Receita Federal, eu disse a ele que a taxa de juros no Brasil não é dada pelo mercado, mas sim pelos cinco presidentes dos grandes bancos em uma rodada de whisky. Vivemos um situação de oligopólio onde a taxa Selic não tem nada a ver com as taxas de juros oferecidas por estes bancos aos investidores. Agora, o Governo acertou em baixar a inflação, acertou em baixar a taxa de juros a números nunca vistos. Temos que reconhecer, mas isso não se reverte em crescimento do PIB.
Este desequilíbrio fiscal não poderia ser resolvido em grande parte com crescimento da economia? Que patamar de crescimento o Brasil precisaria?
Não precisa muito. Se a gente crescesse em torno de 4% já daria para ter algum fôlego, já que a nossa capacidade ociosa da indústria é muito grande. Se há uma motivação de consumo, e há linha de crédito, rapidamente o País cresce. Não haverá inflação porque tem mão de obra disponível e ociosidade nas fábricas. Isso implica ter um Estado maior. Parece estranho, eu estou com o mesmo linguajar dos economistas do PSDB, mas eles também acham isso. Neste momento não adianta, é o bom e velho Keynes que resolve. Neste momento, não há formula mágica. É o Estado interferindo com políticas sociais e fazendo o crescimento. O Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mais motivado pela vontade, do que ele apresentou ser insuficiente, lançou a política de inclusão social. Por que um democrata liberal faz isso? Porque chegou ao extremo.
Rodrigo Maia também pega uma bandeira que sempre foi da esquerda?
Pega nossa bandeira, embora insuficiente. Os nomes indicados por Rodrigo Maia para criar alternativa de política social, são todos privatistas. Com exceção de um deles, todos os demais votaram a favor da reforma da previdência. Um deles é relator da PEC do Teto de Gastos. Não consigo entender como se faz política de inclusão social sem investimento público.
As medidas do governo no Congresso, de descentralização de gastos, e a reforma tributária estão no rumo certo?
Vou dizer uma palavra original. Nunca antes na nossa história tivemos um clima tão propenso à reforma tributária. Há um consenso na esquerda, na direita de que temos que fazer a reforma tributária. Não há consenso em qual reforma. Temos três propostas, duas no Congresso e uma que está sendo preparada por Paulo Guedes. Do jeito que esta reforma tributária está sendo desenhada há clima para ser votada, sim. Acho que há um espaço para um avanço desta reforma tributária. A que consta nos projetos em tramitação é insuficiente. Elas tratam apenas da melhor gestão da arrecadação, uma maior eficiência e transparência da prática tributária. Mas não resolve o maior gargalo que temos que é a inversão na tributação em relação ao resto do mundo. Todos os países tributam renda e propriedade muito, e se tributa menos sobre o consumo. No Brasil, é o contrário. Se tributa muito sobre o consumo e pouco sobre renda e propriedades. Nós, da esquerda, temos uma PEC paralela, apresentamos e estamos construindo com vários setores da sociedade uma coisa que seja meio-termo. Nós, da esquerda, entendemos que a proposta que está na Câmara dos Deputados é boa e vamos apoiá-la, mas é insuficiente. Vamos negociar a inclusão da tributação da renda e propriedade.