A mais de um interlocutor nos últimos dias, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, se receber um pedido bem fundamentado de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, ele poderá aceitá-lo e dar encaminhamento ao processo. Independentemente de qual seja o desfecho, é nesse pé que está hoje o perigoso flerte que Bolsonaro vem fazendo com o autoritarismo.
Em 1748, o filósofo francês Montesquieu publicou os 31 volumes da sua obra “O Espírito das Leis”. Nela, ele estabelece o que ficou conhecido como sistema de “freios e contrapesos” entre os poderes. Trata-se de um princípio basilar das democracias. Significa dizer que os poderes têm de trabalhar de uma forma em que um equilibre o outro. Numa democracia equilibrada, estabelece-se um sistema em que um poder terá ferramentas para impedir que um outro poder extrapole os seus limites. São os freios e contrapesos. Se um poder ultrapassa, os demais precisam ter condições de trazê-lo de volta para o lugar.
O ex-senador Marco Maciel, vice-presidente da República no governo Fernando Henrique Cardoso, gostava de chamar o princípio estabelecido por Montesquieu de “equipotência dos poderes”. Os americanos e ingleses chamam de “checks and balances”. Qualquer nome que se dê, os freios e contrapesos existem e são fundamentais em qualquer democracia.
Admirador declarado dos tempos nada democráticos da ditadura militar, o presidente Bolsonaro age na democracia como uma criança mimada que a todo momento testa os limites da autoridade dos seus país. Se os pais cedem, ele avança testando novos limites. Se os pais reagem, ele recua. Daí, a necessidade sempre da utilização no momento dos tais freios e contrapesos propostos pelo iluminista francês.
No nosso caso atual, quem tem se valido com gosto da prerrogativa de contrabalançar os excessos do presidente tem sido Rodrigo Maia. Naturalmente, na linha do que propôs Montesquieu, isso faz parte do seu papel. Mas também seria ingênuo supor que Maia assim age somente movido por suas convicções democráticas. O presidente da Câmara viu no comportamento de Bolsonaro uma janela de oportunidade. E é por ela que ele ensaia passar.
A profunda polarização ideológica das últimas eleições parece ter afundado o Brasil num tempo de insanidade. O contraponto de um presidente que ofende, difama e dá bananas para jornalistas virou, por exemplo, um senador, Cid Gomes (PDT-CE), avançando com uma retroescavadeira contra policiais militares. Que, diga-se, também extrapolam de seus direitos assombrando cidadãos, fechando lojas do Ceará encapuzados.
Rodrigo Maia prega que o antídoto para o hospício do radicalismo é a recuperação do centro democrático. Na sua avaliação, foi quando o país optou por esse centro que ele encontrou as melhores condições de estabilidade para avançar. Desde o ano passado, ele patrocina filmes divulgados na internet com essa ideia, dirigidos com competência pelo marqueteiro Chico Mendez.
Reuniões rotineiras têm sido feitas por Rodrigo Maia com políticos do centro democrático. Mesmo nomes do PT, como o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e o senador Jaques Wagner (PT-BA), têm participado das conversas. Na prática, hoje, elas servem para manter Maia com o comando da Câmara, de onde ativa seus freios e contrapesos para evitar maiores arroubos do Executivo. Ele espera que tais ações redundem em alguma coisa na sucessão presidencial de 2022. Pouco provável que elas tragam como consequência a própria candidatura de Maia. Mas ele pelo menos espera ter um papel preponderante na construção de um nome de centro para oferecer aos eleitores na ocasião.
O presidente da Câmara tem, por exemplo, conversado quase diariamente com o apresentador de TV Luciano Huck, nome que hoje também tem a simpatia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como alternativa, Huck tem um potencial curioso: mais do que com Bolsonaro, ele disputa votos entre a população mais pobre que hoje é eleitora de Luiz Inácio Lula da Silva, que, barrado pela Lei da Ficha Limpa, não disputará a eleição.
Tudo isso, é claro, se a racionalidade e o respeito à democracia for mantido daqui até 2022. Para isso, a democracia possui seus instrumentos. Os freios e contrapesos estabelecidos por Montesquieu. Nesse sentido, Rodrigo Maia abre sua caixa de ferramentas.