A manchete da Folha de São Paulo (“Pela primeira vez, maioria não tem interesse na Copa”) retrata muito bem o Brasil atual. Segundo o Datafolha, 53% dos entrevistados disseram estar indiferentes ao Mundial, um recorde na série de levantamentos realizados pelo instituto nos últimos anos.
Como se sabe, o nosso futebol é utilizado como ferramenta política ― e vice-versa. No passado, governos tentaram se aproveitar dos resultados da seleção brasileira em campo. Por vezes, conseguiram melhorar a própria imagem. Noutras, amargaram fragorosa derrota nas urnas, mesmo com o Brasil tendo conquistado o campeonato.
Essa aparente desconexão do torcedor, que pode ou não ser apenas momentânea, é apenas mais um reflexo do mesmo desalento e da falta de perspectiva do eleitor brasileiro com a lastimável situação desta crise moral-ética-social-institucional e político-econômica que atravessa o País.
Ainda trazemos frescas na memória as lembranças do anticlímax da Copa de 2014, com os protestos contra a construção de estádios faraônicos, hoje subaproveitados. Sem falar no inesquecível 7 a 1 contra a Alemanha, além dos escândalos de corrupção e superfaturamento envolvendo empreiteiras, governo e entidades esportivas, que vieram à luz no “pós-maracanaço”.
Tudo bem, em março, a nossa Canarinho venceu os alemães por 1 X 0 em Berlim. Mas é a tal história: amistoso é amistoso e Copa é Copa. Brasil e Alemanha são considerados favoritos na Rússia. Ainda muito jovem, Neymar carrega nos ombros todo o peso da torcida brazuca. É aquela nossa velha mania nacional de sonhar com um salvador da Pátria, inclusive, e principalmente, no campo político.
Nos idos de 1958, na Suécia, o menino Pelé também encantou o mundo com sua arte. No dia 20 de junho daquele ano, garantimos o direito de trazer pela primeira vez a Jules Rimet para casa (onde ela viria a desaparecer misteriosamente mais tarde, como se sabe). Na manhã seguinte, foi inaugurado o Palácio da Alvorada. Brasília só se tornaria oficialmente capital em 21 de abril de 1960.
Eram outros tempos, de um outro futebol e de um “presidente bossa-nova, Juscelino Kubitschek. Em 3 de outubro, nas eleições de 21 governos estaduais e da Guanabara, para a Câmara e 1/3 do Senado, o PSD de JK elegeu 115 deputados federais, ante 70 de seu principal adversário, a UDN. Nos Estados e no Senado, o placar se inverteu (8 X 6 e 9 X 4 para os udenistas, respectivamente).
Em 1960, o marechal Henrique Teixeira Lott, da coligação encabeçada pelo PSD, perdeu a eleição para Jânio Quadros (PTN), apoiado pela UDN. Jânio, no entanto, não conseguiu levar para o Planalto seu candidato a vice. Naquela época, era possível votar separadamente na chapa presidencial; e o escolhido foi João Goulart (PTB), vice de Juscelino. Deu no que deu.
No Chile, em 62, o Brasil brilhou mais uma vez, levando o Bi. Internamente, o clima estava conturbadíssimo, após a renúncia de Jânio e ascensão de Jango, desde que com a adoção do parlamentarismo como sistema de governo, o jeitinho acertado com os militares para permitir que ele permanecesse no poder. Em janeiro do ano seguinte, houve a antecipação do plebiscito que decidiu pelo retorno ao presidencialismo. Não demorou muito para 1964 chegar.
O Tri, em 70, durante o regime militar, levantou a bandeira ufanista de um país supostamente que iria pra frente.
Em 94, o Tetra deu ainda mais força para a eleição, já no primeiro turno, de Fernando Henrique Cardoso, o “pai adotivo do real”. Todavia, em 2002, o Penta não foi suficiente para que ele fizesse José Serra seu sucessor. Finalmente, Lula chegou lá.
Pois bem, quinta-feira vai ter Copa; e em outubro, nova eleição. Michel Temer é o presidente mais impopular da história e o pré-candidato do seu MDB, Henrique Meirelles, está caindo pelas tabelas, com a ameaça de ser rebaixado para a quarta divisão do campeonato presidencial, por conta da sua falta de carisma, de apoio interno no partido e da percepção da grande maioria da opinião pública de que a economia piorou nos últimos meses, conforme revelou o último Datafolha.
Aliás, a Folha publicou interessantíssima análise dos diretores de seu instituto de pesquisas, Mauro Paulino e Alessandro Janoni, a respeito desse desânimo quase que generalizado e do pessimismo reinante nas arquibancadas. Eles listam pelo menos sete aspectos que contribuem para esse ambiente negativo. E consideram que “a boa atuação da seleção na Copa do Mundo pode reverter em parte esse novo vira-latismo brasileiro”. Recomendo a leitura (“Medo amplia desinteresse pelo mundial da Rússia”, Copa 2018, pág. 2).
Resta saber se alguém, na numerosa lista do time de presidenciáveis e reservas existentes hoje, eventualmente se beneficiaria com o Hexa. Ou, torcidas à parte, com a nossa derrota.
Por fim, deve-se lembrar sempre que pesquisa é treino. Eleição é jogo.
Ibsen Costa Manso